Rogério Nagamine Costanzi [1]
1 . Introdução
Com a divulgação dos dados da população dos municípios por sexo e idade no Censo 2022 é possível fazer diversas análises, inclusive, aquelas sob a ótica da previdência social. O perfil demográfico das cidades brasileiras é bastante variado, havendo regiões mais ou menos envelhecidas do ponto de vista populacional. O perfil demográfico de cada cidade, em particular, a participação dos idosos na população total, afeta a importância relativa dos benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) naquela localidade. Essa importância relativa pode ser medida, de forma simplificada, pela razão entre o estoque de aposentadorias e benefícios do RGPS e do INSS com a população total. Em geral, os referidos estoque de benefícios tendem a ser, inclusive, maiores que a população idosa, pois há diversos benefícios que são concedidos a pessoas com menos de 60 anos de idade como, por exemplo, aqueles por incapacidade temporária para o trabalho (auxílio-doença) ou porque há aposentadorias que são concedidas para pessoas que não são idosas como, por exemplo, aquelas por incapacidade permanente (invalidez) ou aquelas destinadas as mulheres na previdência rural, cujo critério de elegibilidade é de 55 anos de idade. De forma a analisar essas questões, o presente artigo está estruturado da seguinte forma:
- Na seção 2, serão analisados dados de perfil demográfico dos municípios e do estoque de aposentadorias e benefícios do RGPS e do INSS em relação a população, buscando mostrar a correlação entre essas variáveis;
- Na parte 3 serão feitas as considerações finais.
2 – Análise dos perfis demográficos e impacto no estoque de benefícios dos municípios
A análise do perfil demográfico dos municípios brasileiros mostra um quadro bem variado: a participação dos idosos na população total varia de um mínimo de 4,2% até um patamar máximo de 38,9%. O nível mínimo de 4,2%, em 2022, foi observado na cidade de Uiramatã no estado de Roraima, com uma população de apenas 13.751 habitantes, dos quais 572 eram idosos. O fato de ser uma cidade da região Norte não parece surpresa, tendo em vista que se trata daquela com perfil demográfico mais jovem. No extremo oposto, a cidade com maior participação de idosos no Brasil era a cidade de Coqueiro Baixo no Rio Grande do Sul, com uma população de apenas 1.290 habitantes e um total de 502 idosos (38,9% do total). O fato de ser uma cidade do Sul e do Rio Grande do Sul também não é uma surpresa tendo em vista que se tratam das regiões mais envelhecidas do país conforme o Censo de 2022.
A média aritmética simples da participação dos idosos no total, sem ponderar pela população, no Censo de 2022, foi de 17,4% e, portanto, superior a participação de 15,8% que é ponderada. Tal comparação mostra que as cidades menores tendem a ter uma participação mais relevante dos idosos do que a média. A mediana da participação dos idosos foi de 17,3% e moda de 14,9%.
O primeiro decil foi de 11,9% e o nono decil foi de 23,2%. Apenas 4,6% dos municípios brasileiros têm uma participação dos idosos abaixo de 10% do total no ano de 2022, ou seja, 95,4% das cidades brasileiras têm 10% ou mais de idosos na população total. Cerca de 68,6% (3.819 cidades) dos municípios brasileiros tinham participação dos idosos na população total igual ou superior a 10% mas abaixo de 20%, ou seja, dois em cada três municípios brasileiros. Em 2022, 1 em cada 4 cidades brasileiras tinha uma participação dos idosos na população total acima ou igual a 20%, mas menor que 30%, englobando 1.439 municípios (25,8% do total). Apenas 53 cidades tinham percentual igual ou superior a 30%, que corresponde, de forma aproximada, a cerca de 1% do total.
Tabela 1 – Participação da População Idosa nos Municípios brasileiros – Censo 2022 – em % da população total dos municípios
Fonte: elaboração a partir de informações do Censo de 2022 – IBGE
Esses dados deixam claro a diversidade do quadro demográfico no Brasil, com ampla diversidade na estrutura etária, embora exista uma concentração muito grande na faixa de 10 a 20 por cento de participação dos idosos na população total. Essa participação se reflete, como seria esperado, na importância relativa dos beneficiários do RGPS ou do INSS na população total.
A análise das correlações mostrou, como esperado, que há correlação positiva entre a participação dos idosos na população total e as razões entre os estoque de aposentadorias, benefícios previdenciários do RGPS e do INSS em relação a população total. Foi considerada a população do censo, ou seja, no começo de agosto de 2022, contra o estoque de benefícios em dezembro do mesmo ano, em função da disponibilidade dos dados, mas que não causa maiores problemas na análise. Todas as correlações foram significativas ao nível de 1% (vide tabela 2 e gráficos de 1 a 3). Apesar de haver uma relevante correlação positiva, também se nota que há uma variância grande da importância relativa do estoque de benefícios para um mesmo nível de participação dos idosos, que serve como indício que há outras variáveis que ajudam a explicar essas relações, além da estrutura etária.
Tabela 2 – Correlação entre participação de idosos na população total e razões aposentadorias/benefícios previdenciários e do INSS em relação a população total – Brasil 2022
Fonte: Elaboração a partir de dados do IBGE e do Ministério da Previdência Social
Gráfico 1 – Participação dos Idosos na População Total e Estoque INSS/população em % – Brasil 2022
Fonte: Elaboração a partir de dados do IBGE e do Ministério da Previdência Social
Gráfico 2 – Participação dos Idosos na População Total e Estoque RGPS/população em % – Brasil 2022
Fonte: Elaboração a partir de dados do IBGE e do Ministério da Previdência Social
Gráfico 3 – Participação dos Idosos na População Total e Estoque aposentadorias do RGPS/população em % – Brasil 2022
Fonte: Elaboração a partir de dados do IBGE e do Ministério da Previdência Social
Quando se considera a relação estoque de benefícios do INSS dividido pela população total (conforme censo de 2022), nota-se que, em média, essa relação (simples ou sem ponderação) era de 18,3% e a mediana de 17,7% (vide tabela 3). Portanto, de modo geral, em cada cidade brasileira, havia quase 1 benefício do INSS para cada 5,4 habitantes ou residentes. Contudo, também havia uma grande variação entre as cidades, tendo em vista um mínimo de apenas 0,1% e um máximo muito elevado de 72,2%. Mais de 1/3 das cidades brasileiras (38,1% do total ou 2.123 municípios) tinha razão acima ou igual a 10% mas abaixo de 20%. Quase 1/3 (30,6%) dos municípios brasileiros tinham razão entre estoque de benefícios do INSS / população total igual ou superior a 20% e inferior a 30%. Chama atenção que 27 municípios tinham relação estoque de benefícios INSS / população igual ou acima de 50%. A cidade com maior patamar, de 72,2%, era a cidade de Nova Petropólis (RS).
Quando se considera a razão entre estoque de benefícios do RGPS ou previdenciários / população, a média (não ponderada) cai ligeiramente para 16,2% e a mediana de 15,4%, com máximo de 71,2%, que também era a cidade de Nova Petropólis (RS), como pode ser visto pela tabela 3. Portanto, de forma aproximada, a cada 6,2 habitantes ou residentes deve haver, em média, um recebedor de benefício do RGPS nas cidades brasileiras. Quase 4 em cada 10 (39,7%) municípios brasileiros tinham uma relação do estoque de benefícios do RGPS/população na faixa igual ou acima de 10%, mas menor que 20%: eram 2.211 cidades do total de 5.570. Além disso, cerca de 1 em cada 4 cidades brasileiras (25% ou 1.393) tinham uma razão igual ou acima de 20% e menor que 30%. Havia 16 cidades onde a relação estoque de benefícios RGPS / população era igual ou acima de 50%, ou seja, havia, pelo menos, 1 benefício para cada 2 habitantes ou até menos (tabela 3).
Já quando se considera a razão estoque de aposentadorias do RGPS/ população se nota que a média (não ponderada) cai para 11,6%, mediana de 10,9% e máximo de 56,1% (vide tabela 3). Na realidade, apenas uma cidade tinha razão superior a 50%, que foi também o município de Nova Petropólis (RS). De forma aproximada, a cada 8,6 habitantes ou residentes deve haver, em média, um recebedor de aposentadoria do RGPS. Em 2.513 cidades (45,1% do total) a relação de estoque aposentadorias RGPS/população era abaixo de 10% e em 2.504 municípios (45% do total) essa razão era igual ou superior a 10%, mas inferior a 20%.
Um ponto que chama atenção é que em 96 municípios do país o estoque total de aposentadorias por idade do RGPS era maior que a população de homens com 60 anos ou mais de idade e mulheres com 55 anos ou mais, que é o público potencial desse benefício. A maior parte dessas cidades estavam no Nordeste, no interior do Maranhão e Piaui. O mais lógico seria que o estoque de benefícios não deveria ser maior que o público potencial. Embora tal resultado não seja uma prova conclusiva e definitiva de alguma espécie de problema ou fraude, podendo haver alguma explicação razoável, esse resultado demanda aprofundamento.
Tabela 3 – Relação Aposentadorias RGPS, estoque RGPS e estoque INSS/ População total nos Municípios brasileiros – Censo 2022 – em %
Fonte: elaboração a partir de informações do Censo de 2022 – IBGE
3 – Considerações Finais
Como foi mostrado ao longo deste artigo, existe uma variância muito grande do perfil demográfico das cidades brasileiras, variando de uma participação de idosos de 4,2% a 38,9%. Esse perfil demográfico acaba afetando as razões entre estoque de benefícios do RGPS e do INSS com a população local. Há uma correlação positiva relevante, embora exista grande variância para um mesmo nível de participação dos idosos, que mostra que há outros fatores que influenciam essas relações.
Quando se considera a relação estoque de benefícios do INSS dividido pela população total (conforme censo de 2022), nota-se que, em média, essa relação (simples ou sem ponderação) era de 18,3% e a mediana de 17,7%. Portanto, de modo geral, em cada cidade brasileira, havia quase 1 benefício do INSS para cada 5,4 habitantes ou residentes. Contudo, também havia uma grande variação entre as cidades, tendo em vista um mínimo de apenas 0,1% e um máximo muito elevado de 72,2%. Mais de 1/3 das cidades brasileiras (38,1% do total) tinha razão acima ou igual a 10% mas abaixo de 20%. Quase 1/3 (30,6%) dos municípios brasileiros tinham razão entre estoque de benefícios do INSS / população total igual ou superior a 20% e inferior a 30%. Chama atenção que 27 municípios tinham relação estoque de benefícios INSS / população igual ou acima de 50%.
Também chama atenção que em 96 municípios do país o estoque total de aposentadorias por idade do RGPS era maior que a população de homens com 60 anos ou mais de idade e mulheres com 55 anos ou mais, que é o público potencial desse benefício. Esse resultado demanda aprofundamento.
De qualquer forma, a correlação positiva entre a importância relativa do estoque de benefícios do RGPS e do INSS com a participação dos idosos na população total implica que com o processo de envelhecimento populacional os beneficiários representarão um parcela crescente dos residentes do Brasil e das cidades brasileiras. Tal realidade indica a necessidade de adequação das políticas e oferta de serviços públicos, tanto federais, quanto locais, para se adequar a esse processo.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2023A. Censo Demográfico 2022. População por idade e sexo. Pessoas de 60 anos ou mais de idade. Resultados do universo. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2023. Censo Demográfico 2022 População por idade e sexo. Resultados do universo Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação.
[1] Doutor em Economia pela Universidade Autônoma de Madrid. Mestre em Economia pelo IPE/USP e em Direção e Gestão de Sistemas de Seguridade Social pela Universidade de Alcalá/Espanha e pela Organização Ibero-americana de Seguridade Social (OISS). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal. O autor teve passagens pelo Ministério da Previdência Social (Assessor Especial do Ministro, Diretor do Departamento e Subsecretário do Regime Geral de Previdência Social e Coordenador-Geral de Estudos Previdenciários), Ministério do Trabalho e Emprego (Assessor Especial do Ministro e Coordenador-Geral de Emprego e Renda), Ministério do Desenvolvimento Social, IPEA (Coordenador de Seguridade Social) e OIT. Foi membro do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI) e do Conselho Nacional do Trabalho (CNT). Ganhador do Prêmio Interamericano de Proteção Social (2° lugar) da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) em 2015 e do Prêmio SOF de Monografia (2º lugar) do Ministério do Planejamento/ESAF em 2016. Foi Presidente do Cone Sul da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) e Vice-Presidente da Comissão de Adultos Mayores da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS). (E-mail: rogerio.costanzi@uol.com.br).
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