Rogério Nagamine Costanzi [1]
O fraco desempenho da economia no período entre 2012 e 2022 acabou tendo impactos negativos sobre o mercado de trabalho, pressionando a desocupação e dificultando a necessária redução da informalidade. Ademais, também foi um cenário que não foi positivo para o incremento da cobertura previdenciária da população ocupada. Embora o patamar da contribuição previdenciária da população ocupada, considerada a média anual da PNAD Contínua, estivesse, em 2022, para o Brasil como um todo, acima do patamar de 2012, ainda era nível inferior ao registrado no período de 2014 a 2017. Ademais, a evolução foi negativa em importantes Unidades da Federação como Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Distrito Federal e Amazonas e na Região Sudeste como um todo. Ademais, também chama atenção a tendência de queda na contribuição entre os jovens de 20 a 29 anos ocupados. Essa faixa etária, de jovens de 20 a 29 anos, teve um desempenho pior que o observado para os trabalhadores de 30 anos ou mais de idade. Embora os anos de 2022 e 2023 estão sendo caracterizados por recuperação do mercado de trabalho, após a crise gerada pela pandemia, é relevante monitorar essa tendência, inclusive, na comparação com as demais faixas etárias ou para pessoas com 30 anos ou mais de idade.
A análise da contribuição por faixa etária mostra que, embora o nível em 2022 era superior ao do mesmo período de 2012, esse resultado não era o mesmo para todas as faixas etárias. Para jovens de 20 a 29 anos, o percentual de contribuição para previdência era menor em 2022 que em 2012, indicando que a evolução não foi positiva para esse grupo etário. O maior incremento da contribuição se deu trabalhadores ocupados com 60 anos ou mais de idade (ver tabela 1 e gráfico 1). Na realidade, de todos os grupos etários considerados, apenas os jovens, inclusive aqueles na faixa etária de 20 a 29 anos, apresentaram em 2022 um patamar de contribuição previdenciária dos trabalhadores ocupados inferior ao observado em 2012. Enquanto na faixa etária de 20 a 29 anos, o percentual de contribuição previdenciária dos trabalhadores ocupados caiu de 66,7% para 61,7% entre 2012 e 2022, para o grupo de 30 anos ou mais, a taxa de contribuição cresceu de 63,2% para 65,9% na mesma comparação.
Tabela 1 – Contribuição para Previdência em Qualquer Trabalho em % dos trabalhadores ocupados por faixa etáriaFonte: Elaboração do autor a partir dos microdados da PNAD Contínua Anual de 2012 (1º visita) e 2022 (5º visita)
Gráfico 1 – Percentual de Contribuição para Previdência da População Ocupada em % do total de ocupados por idade
Fonte: Elaboração a partir dos microdados da PNAD Contínua PNAD Contínua Anual de 2012 (1º visita) e 2022 (5º visita)
A análise pelos dados da PNAD Contínua trimestral permite se notar, no período de 2012 a 2022, tendência de queda da contribuição previdenciária para os jovens de 20 a 29 anos e comportamento relativamente discrepante dos demais grupos etários ou dos trabalhadores de 30 anos ou mais de idade (ver gráfico 2).
Feito este diagnóstico é importante tentar analisar quais os fatores que explicam este comportamento mais desfavorável da cobertura previdenciária entre os jovens de 20 a 29 anos em relação aqueles ocupados de 30 anos ou mais de idade, para além do fraco desempenho da economia e do mercado de trabalho no período de 2012 a 2022.
Gráfico 2 – Percentual de contribuintes para previdência entre trabalhadores ocupados – 2012 a 2022 – média de 2012 = 100 – por grupos etários – Brasil
Fonte: Elaboração a partir dos microdados da PNAD Contínua trimestral
Uma primeira análise é tentar estimar os impactos decorrentes de mudanças na estrutura por posição na ocupação. Quando se analisa essa referida dimensão da estrutura de ocupação dos jovens de 2012 a 2022, nota-se, em especial, o incremento da importância relativa dos trabalhadores por conta própria e a diminuição da participação dos empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado. Esse fator parece ser importante para explicar a queda na contribuição previdência, embora tenham ocorrido mudanças dentro das posições na ocupação. Também houve aumento da participação dos empregados sem carteira. De qualquer forma, apenas a diminuição da importância relativa dos empregados com carteira e o aumento dos conta própria, por si só, já poderia ser suficiente para gerar redução da contribuição global dos jovens, tendo em vista que o patamar entre os últimos é baixo e muito inferior ao do emprego com carteira (de 100%).
Um relevante exercício contrafactual é estimar qual teria sido o percentual de contribuição previdenciária em 2022, caso fosse sido mantida a mesma estrutura por posição na ocupação de 2012, conforme a simples fórmula abaixo:
Onde:
Tcpcf2022 = taxa de contribuição dos ocupados de 20 a 29 anos contrafactual para 2022
POi2012 = participação da posição na ocupação i no total de jovens ocupados de 20 a 29 anos em 2012
TCPPOi2022 = taxa de contribuição para previdência na posição na ocupação i para jovens de 20 a 29 anos em 2022
Fazendo uma estimativa de qual seria a contribuição para previdência dos jovens de 20 a 29 anos, em 2022, caso fosse mantida a mesma estrutura de posição na ocupação de 2012, mas com percentual de contribuição para previdência de 2022 para cada posição na ocupação, se chega ao resultado que, na verdade, o patamar contrafactual estimado seria de 68,4% e não 61,7%. Seria, portanto, inclusive, superior ao observado em 2012 (66,7%). Esse resultado, como citado anteriormente, reflete a queda da participação do emprego com carteira de trabalho assinada no setor privado (de 53,3% para 47,1%), com deslocamento para outras posições na ocupação que possuem patamar baixo ou menor de contribuição, em especial, trabalhadores por conta própria (cresceu de 13,7% para 19,6%) e também emprego sem carteira no setor privado (15,4% para 19,6%).
Tabela 2
Estrutura da Ocupação dos Jovens de 20 a 29 anos – 2012 e 2022Fonte: elaboração do autor a partir dos microdados da PNAD Contínua Anual de 2012 e 2022
Outra análise possível é considerar o possível impacto de mudanças na estrutura de ocupação dos jovens por grupamento de atividade econômica. De forma similar, a estimativa da contribuição previdenciária contrafactual dos jovens de 20 a 29 anos ocupados pode ser estimada como:
Onde:
Tcpcf2022 = taxa de contribuição dos ocupados de 20 a 29 anos contrafactual para 2022
POi2012 = participação do setor de atividade econômica i no total de jovens ocupados de 20 a 29 anos em 2012
TCPPOi2022 = taxa de contribuição para previdência no setor de atividade econômica i para jovens de 20 a 29 anos em 2022
Diferente da estimativa contrafactual por posição na ocupação, a feita por setor de atividade não se mostrou importante para explicar a tendência de queda na contribuição previdenciária. A estimativa é que, caso fosse mantida a estrutura por setor de atividade em 2022, em relação a 2012, o percentual de contribuição para previdência contrafactual seria basicamente o mesmo do efetivamente observado: 61,7% (considerado participação do setor de 2012 e a contribuição dentro de cada setor de 2022). De qualquer forma ocorreram alterações na estrutura por setor de atividade econômica com queda da participação da agricultura e pecuária, indústria, construção, ou seja, ramos primário e secundário, mas com incremento de vários segmentos do terciário ou do setor de serviços como, por exemplo, comércio, alojamento e alimentação e educação. Também chama atenção que, em quase todos os setores houve queda da contribuição para previdência para os jovens de 20 a 29 anos. No setor de transporte, armazenagem e correio a contribuição para previdência caiu de 66,7% para 48,9%. Sem considerar atividades mal definidas, apenas no setor de agricultura e pecuária se observou incremento da contribuição para previdência dos jovens ocupados de 20 a 29 anos entre 2012 e 2022.
Tabela 3
Estrutura da Ocupação dos Jovens de 20 a 29 anos – 2012 e 2022
Fonte: elaboração do autor a partir dos microdados da PNAD Contínua Anual de 2012 e 2022
Essa tendência de queda na contribuição previdenciária dos jovens de 20 a 29 anos no período de 2012 a 2022, embora seja reflexo, em parte, do fraco desempenho econômico no referido período, também pode decorrer das transformações no mundo do trabalho. Um processo estrutural de queda da importância relativa do emprego com carteira de trabalho assinada, concomitante ao incremento dos conta própria, tende a levar em redução da cobertura previdenciária dos jovens. Além disso, esse período inicial da inserção ocupacional desses jovens pode ter reflexo sobre toda carreira profissional. Portanto, é necessário monitorar essas tendências entre os jovens, inclusive, porque se está desenhando um quadro com preocupações em relação ao financiamento da previdência. Além desse comportamento preocupante entre os jovens, ainda há diversas fontes de preocupação como a expansão do Microempreendedor Individual (MEI) e dos trabalhadores de plataformas digitais com baixa cobertura previdenciária, avanços em pautas de desoneração da folha sem qualquer compensação ou discussão sobre o financiamento da previdência. Um exemplo dessa questão foi a recente derrubada do veto da desoneração da folha para diversos setores e redução da contribuição para a quase totalidade dos municípios, em um contexto onde se espera o crescimento da despesa por conta do rápido e intenso envelhecimento populacional confirmado pelos dados do Censo 2022.
Referências Bibliográficas
COSTANZI, Rogério Nagamine. 2023A. Desafios das Políticas Públicas de Previdência Social. Associação Nacional de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP). Disponível em: https://anesp.org.br/todas-as-noticias/desafios-das-polticas-pblicas-de-previdncia-social . Publicado em agosto de 2023 – acesso em 23/10/2023.
COSTANZI, Rogério Nagamine; MAGALHÃES, Mário. Informações FIPE, Março de 2023. A Evolução do MicroEmpreendedor Individual (MEI) e os Impactos no Financiamento da Previdência Social e no Mercado Formal de Trabalho. Disponível em: https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/bif/bif510-15-24.pdf
COSTANZI, Rogério Nagamine; SANTOS, Carolina Fernandes. Informações FIPE, Fevereiro de 2023. A Proteção Social dos Trabalhadores de Plataformas Digitais. Disponível em: https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/bif/bif509.pdf
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Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), SINDIFISCO e DIEESE. 2011. Progressividade da tributação e desoneração da folha de pagamentos: elementos para reflexão / organizadores: José Aparecido Carlos Ribeiro, Álvaro Luchiezi Jr., Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça. Brasília : Ipea : SINDIFISCO : DIEESE , 2011.
OIT. 2023. Organización Internacional del Trabajo (OIT). El financiamiento de la protección social universal: la relevancia y el impacto de las cotizaciones a la seguridad social sobre el mercado laboral. Documento de Trabajo WIEGO nº 47 de março de 2023. Florencia Calligaro y Oscar Cetrángolo.
[1] Doutor em Economia pela Universidade Autônoma de Madrid. Mestre em Economia pelo IPE/USP e em Direção e Gestão de Sistemas de Seguridade Social pela Universidade de Alcalá/Espanha e pela Organização Ibero-americana de Seguridade Social (OISS). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal. O autor teve passagens pelo Ministério da Previdência Social (Assessor Especial do Ministro, Diretor do Departamento e Subsecretário do Regime Geral de Previdência Social e Coordenador-Geral de Estudos Previdenciários), Ministério do Trabalho e Emprego (Assessor Especial do Ministro e Coordenador-Geral de Emprego e Renda), Ministério do Desenvolvimento Social, IPEA (Coordenador de Seguridade Social) e OIT. Foi membro do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI) e do Conselho Nacional do Trabalho (CNT). Ganhador do Prêmio Interamericano de Proteção Social (2° lugar) da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) em 2015 e do Prêmio SOF de Monografia (2º lugar) do Ministério do Planejamento/ESAF em 2016. Foi Presidente do Cone Sul da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) e Vice-Presidente da Comissão de Adultos Mayores da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS). (E-mail: rogerio.costanzi@uol.com.br).
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