JOSÉ LUIS OREIRO
Autor convidado pelo Corecon-DF.
Texto originalmente publicado em: https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/02/23/taxa-de-lucro-acumulacao-de-capital-e-crescimento-economico-comentarios-ao-artigo-do-professor-adalmir-marquetti/
Uma dos princípios fundamentais da economia política clássica (e marxista) é que o ritmo de acumulação de capital – e, por tabela, o ritmo de crescimento econômico – é determinado pelo nível da taxa de lucro. Isso porque a economia política clássica, ao assumir a validade da Lei de Say, admite que o investimento é determinado pela poupança e esta se origina, fundamentalmente, da fração poupada dos lucros. Dessa forma, a relação entre a taxa de lucro e a taxa de crescimento do estoque de capital pode ser apresentada pela assim denominada “equação de Cambridge” dada por:
g = r/sp (1)
Onde: g é a taxa de crescimento do estoque de capital, r é a taxa de lucro e sp é a fração poupada dos lucros.
A taxa de lucro, por sua vez, é o resultado do produto entre três variáveis, a saber: a produtividade potencial do capital (v=pYp/pkK), o grau de utilização da capacidade produtiva (u= Y/Yp) e a participação dos lucros na renda nacional (m=P/Y).
r = v.u.m (2)
Onde: Yp é o produto potencial, K é o estoque de capital, Y é o nível efetivo de produto, P é a massa de lucros), p é o deflator implícito do PIB, pk é o índice de preços de bens de capital.
Nesse contexto, a técnica de produção, o nível de utilização da capacidade produtiva e a distribuição de renda entre salários e lucros afetam a taxa de lucro e, por conseguinte, o nível de poupança e investimento da economia com reflexos sobre o ritmo de acumulação de capital e de criação de renda e de emprego da economia.
Recentemente o grupo de pesquisa “macroeconomia estruturalista do desenvolvimento” realizou um webinário sobre o comportamento de curto e longo prazo sobre a taxa de lucro no Brasil (https://www.youtube.com/watch?v=L913Rh-VogM&t=238s). Participaram do debate como expositores os professores Adalmir Marquetti (PUC/RS), Carmem Feijó (UFF) e Eduardo Costa Pinto (IE/UFRJ).
O professor Marquetti apresentou um estudo preliminar denominado “Uma interpretação da economia brasileira a partir da taxa de lucro: 1950-2020” escrito em co-autoria com Eduardo Maldonado Filho, Alessandro Miebach e Henrique Morrone, todos integrantes do programa de pós-graduação em economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O estudo é inédito no sentido de apresentar o comportamento da taxa de lucro no Brasil no período 1950-2020. Conforme podemos verificar na figura 2 abaixo, retirada de Marquetti el al (2022), a taxa de lucro no Brasil apresenta uma tendência nítida de queda a partir de 1975, quando se encontrava acima de 40% ao ano, se estabilizando depois de 1995 em torno de 20% a.a.
Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).
Essa redução da taxa de lucro na economia brasileira esteve associada a uma forte redução da taxa de acumulação de capital e da taxa de crescimento do PIB brasileiro no início da década de 1980 como podemos observar na figura abaixo, extraída do artigo de Marquetti el al (2022).
Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).
A Existência de uma forte correlação entre a taxa de lucro e a taxa de acumulação de capital também pode ser visualizada por intermédio da figura abaixo:
Aceitando a hipótese de Marquetti et all (2020) de que a relação de causalidade é da taxa de lucro para a taxa de acumulação de capital, o próximo passo é determinar os fatores que explicam a queda da taxa de lucro no Brasil no período 1980-1995. Segundo os autores o principal determinante da queda da taxa de lucro no Brasil foi a redução da produtividade do capital, pois a participação dos lucros na renda nacional apresentou um comportamento cíclico em torno de uma tendência constante de longo-prazo de 48,7%, e o grau de utilização da capacidade produtiva apresenta uma queda no período 1980-1995, a qual é quase que inteiramente revertida no período 2000-2010.
A queda da produtividade potencial do capital, por seu turno, foi causada pelo aumento do preço relativo dos bens de capital (p/Pk) e por uma queda da produtividade real do capital (Yp/K) no período 1950-1980. De 1990 tanto o preço relativo dos bens de capital como a produtividade real do capital permanecem relativamente estáveis, o que contribuiu para garantir uma estabilidade da taxa de lucro até 2010.
Esses resultados parecem apontar que a desaceleração do crescimento de longo-prazo da economia brasileira estaria associada a tendência secular de queda da taxa de lucro, a qual é um resultado inexorável do processo de industrialização da economia brasileira no período 1950-1980 o qual é necessariamente capital intensivo, ou seja, atua no sentido de diminuir a produtividade real do capital. Contudo, ainda que se aceite a tese de que o processo de industrialização leve a um aumento inexorável da quantidade de capital tecnicamente necessária para a produção de uma unidade de produto (ou seja, gere uma redução da produtividade real do capital), a ampliação da escala de produção das indústrias produtoras de bens de capital deveria gerar, no longo-prazo, uma redução do preço relativo dos bens de capital devido a existência de retornos crescentes de escala nesse tipo de setor. Dessa forma, seria de se esperar que a redução da produtividade real do capital fosse ao menos parcialmente compensada pela queda do preço relativo dos bens de capital, algo que não ocorreu na economia brasileira. Minha hipótese para explicar esse “puzzle” é a persistência do modelo de industrialização por substituição de importações no Brasil nos anos 1970, época que o mesmo deveria ter sido substituído por um modelo de promoção de exportações segundo a estilização de Kaldor (1967) sobre as etapas do desenvolvimento industrial. A promoção de exportações de manufaturados foi o modelo de desenvolvimento industrial adotado pelos países Asiáticos já em meados da década de 1960, ao passo que os países da América Latina insistiram no modelo de “desarollo hacia dentro”. Está claro que um elemento importante para a adoção de um modelo de promoção de exportações é a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva, algo que o Brasil tal como os demais países da América Latina sistematicamente se recusaram a fazer devido ao “populismo cambial”, adotado tanto por governos de direita como de esquerda. Como a indústria de transformação é o locus por excelência dos retornos crescentes de escala a obtenção de mercados externos é condição de vida ou morte para a indústria de qualquer país em desenvolvimento. Infelizmente o Brasil fracassou nesse teste. Talvez em definitivo.
Uma nova inspeção da figura 11 mostra que a taxa de lucro no Brasil apresentou um movimento de queda entre 2011 e 2015, período que coincide com o governo da Presidente Dilma Rouseff. Ao contrário do movimento de longo-prazo da taxa de lucro, largamente explicado pela queda da produtividade potencial do capital, a queda da taxa de lucro no período 2011-2015 foi principalmente causada pela queda da participação dos lucros na renda nacional, a qual passou de 50,7% em 2004 para 41,1% em 2016, uma redução de aproximadamente 10 p.p.
Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).
Até 2010 o efeito negativo da queda da participação dos lucros na renda sobre a taxa de lucro foi compensada pelo aumento do grau de utilização da capacidade produtiva, configurando assim um regime de demanda do tipo wage-led.
Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).
De 2011 em diante, contudo, a taxa de lucro das empresas não-financeiras começa a apresentar uma nítida tendência de queda conforme estudo elaborado pelo CEMEC em 2015. Em 2014 a taxa de lucro sobre o capital próprio dessas empresas se encontra em torno de 5,5%, patamar inferior a taxa de juros livre de risco, ou seja, a taxa Selic. Nesse contexto, a acumulação de capital é inviável e o resultado não poderia ser outro: um colapso da formação bruta de capital fixo ao longo do segundo, terceiro e quarto trimestre de 2014. Devido a queda da demanda de investimento a economia brasileira entra em recessão já no segundo semestre de 2014.
O comportamento da taxa de lucro no Brasil no período 2011-2015 mostra claramente os limites do modelo wage-led ou “social-desenvolvimentista”: ainda que o aumento da participação dos salários na renda possa aumentar a demanda agregada e, com ela, o nível de utilização da capacidade produtiva, existem limites econômicos e físicos ao aumento contínuo do grau de utilização da capacidade no longo-prazo (o grau de utilização da capacidade não pode permanecer sistematicamente acima do grau normal de utilização da capacidade produtiva), de forma que, mais cedo ou mais tarde, a taxa de lucro irá cair em função de uma redução da participação dos lucros na renda a não ser que ocorra um aumento concomitante da produtividade potencial do capital, o que requer uma redução do preço relativo dos bens de capital e, portanto, um aumento da escala de produção da indústria de equipamento de capital.
Outra forma de buscar uma recomposição da taxa de lucro é por intermédio da adoção de políticas que aumentem a produtividade real do capital físico. Aqui creio que o investimento em infraestrutura é fundamental. Como é ressaltado pela Teoria Clássica do Desenvolvimento Econômico (Ros, 2013, capítulos 7 e 8) existem externalidades tecnológicas e pecuniárias no investimento em capital físico. Dessa forma, o aumento do investimento público em infraestrutura contribui para aumentar a produtividade do investimento privado e, portanto, a própria taxa de lucro. Nesse contexto, a relação entre taxa de lucro e estoque de capital pode ser positiva, ao invés de negativa, de maneira que a redução da taxa de lucro pode resultar da insuficiência do investimento em infraestrutura.
Segundo o professor Eduardo Pinto, que também participou do webinário, o impeachment da Presidente Dilma Rouseff em 2016 viabilizou uma recuperação parcial da taxa de lucro por intermédio da adoção da “agenda de reformas” como a reforma trabalhista e mudanças regulatórias no setor de petróleo e gás, bem como na fiscalização ambiental as quais permitiram uma recuperação da participação dos lucros na renda conforme podemos observar na figura abaixo.
Observação: Figura reproduzida da Marquetti el al (2022).
Além dos elementos citados pelo Professor Eduardo Pinto eu acrescentaria que a grande recessão de 2014-2016 ao produzir um aumento permanente da taxa de desemprego viabilizou, de um lado, a redução dos salários reais, permitindo assim um aumento das margens de lucro; por outro lado, promoveu um processo de concentração e centralização do capital (leia-se falência de algumas empresas e fusões e aquisições, o que aumentou o poder de monopólio das empresas que sobreviveram a recessão). Esse ultimo ponto foi extensamente apresentado pelo professor Eduardo Pinto em sua apresentação no webinário.
Dito isso, a economia brasileira se encontra numa encruzilhada. Para acelerar o crescimento econômico é necessário recuperar a lucratividade das empresas não-financeiras, principalmente no setor manufatureiro, o qual é mais intensivo em bens de capital. A retomada do projeto neoliberal no Brasil com o documento “ponte para o futuro” e o governo de Michel Temer se propôs a fazer isso por intermédio de uma redução do “custo do trabalho” e dos custos regulatórios. Embora a taxa de lucro tenha, de fato, aumentado, não se observou uma aceleração do ritmo de acumulação de capital, o qual se encontra no nível mais baixo desde 1950. Por outro lado, a taxa de desemprego continua no patamar de dois dígitos e o tecido social brasileiro apresenta sinais nítidos de esgarçamento devido a continuidade da estagnação econômica, agravada a partir de 2021 pela aceleração da inflação. Isso posto o projeto neoliberal no Brasil é politicamente insustentável no médio e longo-prazo, e talvez até mesmo no curto-prazo.
A única saída politica e economicamente possível é um pacto social que forneça as condições políticas necessárias para a implantação de um novo-desenvolvimentismo, entendido aqui como um conjunto de políticas que tem por objetivo acelerar o ritmo de acumulação de capital da economia brasileira ao mesmo tempo em que garante que os frutos do progresso econômico sejam apropriados principalmente pelos trabalhadores e pelas camadas mais pobres da população. Essas políticas envolvem necessariamente o aumento do investimento público, o incentivo a reindustrialização por intermédio da inserção da indústria brasileira nos mercados internacionais de produtos manufaturados e o fortalecimento dos sindicatos como forma de garantir o crescimento sustentável dos salários reais no longo-prazo. A competitividade extra-preço das exportações de manufaturados brasileiras terá que ser estimulada por políticas de inovação, viabilizadas por um aumento significativo dos investimentos públicos e privados em Ciência e Tecnologia; combinadas com um aumento dos gastos com educação principalmente a nível do ensino médio, o qual é historicamente a grande deficiência da educação no Brasil. Também será necessário adotar uma taxa de câmbio competitiva como política de Estado, o que exigirá mudanças na institucionalidade da condução da política monetária e a adoção de controles a entrada e saída de capitais do Brasil. Tais políticas são, claramente, contrárias ao interesse das instituições financeiras brasileiras, as que mais se beneficiaram da reviravolta neoliberal ocorrida em 2016. Cabe ao próximo presidente da República entender a natureza do nó górdio da economia brasileira e exercer suas habilidades políticas para desata-lo.
Referências
KALDOR, N. (1967). Strategic Factors in Economic Development. Ithaca: New York State School of Industrial and Labor Relations, Cornell University.
KALDOR, N. (1957). “A Model of Economic Growth”. Economic Journal, 67.
KALDOR, N. (1956). “Alternative Theories of Distribution”. Review of Economic Studies, 23, pp. 83-100.
Marquetti, A; Maldonado Filho, E; Miebach, A; Morrone, H. (2022). “Uma interpretação da economia brasileira a partir da taxa de lucro: 1950-2022”. Mimeo.
OREIRO, J.L. (2016). Macroeconomia do Desenvolvimento: uma perspectiva Keynesiana. LTC Editora: Rio de Janeiro.
PASINETTI, L. (1961-1962). “The rate of profit and income distribution in relation to the rate of economic growth”. Review of Economic Studies, vol. 29, no.4.
ROBINSON, J. (1962). Essays in the Theory of Economic Growth. Macmillan: Londres.
Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford Economic Press: Oxford
O artigo deixa muito bem evidente o antagonismo entre a acumulação de capital e o aumento salarial.
Do golpe de 1964 até 1985, há o aumento da margem de lucro dos capitalistas enquanto que houve a diminuição real dos salários da classe trabalhadora. Posteriormente houve uma queda na margem de lucro por questões inflacionárias e desequilíbrio na taxa de câmbio, mas posteriormente, com a estabilização da moeda, a margem volta com algumas oscilações.
No entanto, o mais interessante é o período que se inicia a partir dos anos 2000 até 2015, onde ocorre uma diminuição real da margem de lucro e um aumento real nos salários, o que reflete no poder de barganha que a classe trabalhadora teve no período dos governos do PT.
Esse poder de barganha claramente se reflete em poder político. O artigo é muito bom, no entanto, ao meu ver, pecou , na conclusão, em fazer uma breve reflexão do antagonismo de classe nesses períodos.
A grande burguesia que teve uma redução real da sua rentabilidade rapidamente se organiza no esforço de mudar o cenário, se desdobrando primeiro em pressão política com a agenda FIESP no governo Dilma I e depois no golpe em 2016.
A maior evidência é depois desse processo, com a implantação nítida das reformas neoliberais de Temer que intensificadas por Paulo Guedes perdura até hoje.
Toda vez que no capitalismo a classe trabalhadora obtém ganhos reais em seu poder de compra, na melhora na sua qualidade de vida, o grande Capital age rapidamente para mostrar quem é classe dominante, principalmente no capitalismo dependente que é o Brasil.
Darcy Ribeiro ao final de sua vida, após 40 anos de vida política e militância, reconheceu que no Brasil só terá condições políticas para a implantação de algum tipo de desenvolvimentismo reformista apenas com o socialismo.