Cláudio Jaloretto
Corecon-DF nº 7364.
Na primeira aula do curso de estatística, o professor pediu aos alunos que definissem a média. A resposta, aparentemente óbvia, foi unânime: é a soma dos números de uma amostra dividida pela sua quantidade.
“Errado”, disse o professor, “isso é a forma como se calcula”. E complementou dizendo que média é um número que tem uma propriedade particular: é o único que tem o menor desvio em relação a todos os outros números da amostra.
Esse exemplo se aplica também à definição de déficit público que, geralmente, é descrito como sendo o excesso das despesas públicas em relação às receitas ou a variação do endividamento do setor público.
Ambas as definições remetem à forma de cálculo e não ao conceito; a primeira faz referência aos usos e fontes do orçamento público, no que se convencionou chamar de “acima da linha” e a segunda ao conceito “abaixo da linha”, também chamado de Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP).
O que seria déficit público, então? É um número que sintetiza a política fiscal em um determinado período. Se negativo ou deficitário significa que o resultado da política fiscal foi expansionista; se positivo ou superavitário, que foi contracionista. Nem mais, nem menos. Nem ruim, nem bom, apenas um resultado. Dele não se pode tirar conclusões sobre a qualidade do gasto público ou sobre a tributação, se é regressiva ou distributiva.
O déficit não é intrinsecamente ruim assim como o superávit não é intrinsecamente bom. Tudo depende das outras variáveis macroeconômicas e das políticas monetária e cambial.
Uma outra forma de se definir déficit público é como sendo uma medida do avanço do setor público sobre as poupanças privada e externa. Partindo da identidade das contas nacionais, temos que, ex post, a poupança (S) é igual ao investimento (I): S=I; podemos desdobrar essa identidade em: Sg + Sp + Se = Ig + Ip, onde g se refere ao governo, p ao setor privado e e ao setor externo.
Rearranjando os termos, temos: (Sg – Ig) + (Sp – Ip) = -Se, onde o primeiro termo corresponde ao déficit público, o segundo ao déficit privado e o terceiro à poupança externa ou déficit em transações correntes. Havendo déficit público, teremos um superávit privado ou um déficit em transações correntes do Balanço de Pagamentos ou ambos ou uma combinação deles.
Isso é bom? Não necessariamente. Isso é ruim? Não necessariamente.
Além do déficit público geral ou global, é utilizado o conceito de déficit ou resultado primário que também é descrito pela forma de cálculo: receitas e despesas exceto juros ou quanto o governo economiza para o pagamento de juros.
Mas, afinal, o que significa resultado primário? Para o conceituarmos, precisamos entender porque os juros são excluídos do cálculo do déficit global, se também são despesas. As despesas de juros dependem, em princípio, a) do saldo da dívida e b) da taxa de juros; o estoque da dívida corresponde à soma dos déficits ocorridos anteriormente, enquanto que a taxa de juros depende dos agentes do mercado, da atuação do Banco Central, das metas da taxa básica de juros, no caso dos juros pós-fixados ou das taxas estabelecidas em contrato, no caso dos juros prefixados. Nenhum desses fatores está sujeito à ação direta ou atuação primária do Governo. Temos aqui um primeiro ponto: as despesas de juros não dependem da atuação corrente do Governo.
Sabemos que o acúmulo de déficits leva ao aumento da dívida pública e, na existência de déficits significativos e constantes, ocorrerá o crescimento da dívida que poderá levar à insustentabilidade futura dessa dívida. Temos o segundo ponto: a atuação do Governo para redução do déficit global passa pelo aumento das receitas ou redução das despesas em que ele tenha controle primário ou corrente.
Assim, o resultado primário corresponde, a exemplo do resultado operacional de uma empresa privada, ao resultado decorrente da atuação direta ou primária do setor público; como o setor público não é uma instituição financeira, o principal item de suas despesas não operacionais é o pagamento de juros.
Podemos então conceituar o déficit ou resultado primário como sendo um número que sintetiza a política fiscal primária do setor público num determinado período, entendida a atuação primária como sendo aquela em que o Governo tem controle objetivo e corrente.
Deixando de lado eventuais considerações sobre papel anticíclico da política fiscal ou sobre o tamanho e função do setor público na economia, a persistência de déficits públicos tem impacto significativo sobre as expectativas econômicas pois pode significar o crescimento insustentável da dívida pública relativamente ao produto.
A razão Dívida Pública/PIB depende do fluxo de juros e do resultado primário. Uma equação simples exemplifica o papel dessas variáveis:
dt = dt-1 (r-y) + p , onde:
d = dívida pública/PIB; t = período; r = taxa real de juros; y = taxa de crescimento real do PIB e p = déficit primário/PIB.
Assim, o resultado primário tem papel fundamental na formação das expectativas, por ser a variável em que o Governo tem controle direto. Qualquer outra variável indicativa da política fiscal – como o teto de gastos – será, sempre, incompleta como variável de controle da sustentabilidade fiscal da dívida pública.
Cláudio Jaloretto, possui graduação em Ciências Econômicas pela Faculdade de Ciências Econômicas de Bauru(1974), especialização em Curso de Especialização para Economistas pelo Fundação Getúlio Vargas – RJ(1980), especialização em Técnicas de Análisis y Programación Financieras pela Institute of International Monetary Fund(1996), especialização em Curso Avanzado de Progr. y Políticas Financieras pela Institute of International Monetary Fund(1999) e mestrado-profissionalizante em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília(2005). Servidor aposentado do Banco Central do Banco Central do Brasil. Tem experiência na área de Economia. Atuando principalmente nos seguintes temas: déficit público, Senhoriagem.
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EXcelente aula Claudio Jaloretto!
Ensinamentos bem didáticos. Gostei!