Júlio Miragaya
Corecon-DF nº 4972
A violência policial espalha-se por todo território nacional vitimando invariavelmente jovens negros e pobres
“É hoje o dia, da alegria, e a tristeza nem pode pensar em chegar”. Assim dizia um trecho de “É Hoje”, o célebre samba-enredo de Didi e Mestrinho cantado pela União da Ilha no carnaval de 1982. A escola de samba, sediada na Cacuia, conta com grande número de integrantes da comunidade do Dendê. Pois em 12 de agosto a tristeza chegou no morro do Dendê, com o assassinato de Eloá Passos da Silva, de apenas 5 anos, pela PM do Rio, ou necropolícia, como a definiu Ana Cláudia, tia de Eloá.
Após as matanças na virada do mês promovidas pelas PMs na Baixada Santista (16 pessoas), Bahia (21) e Rio (10), os assassinatos de Thiago Menezes, estudante de 13 anos da Cidade de Deus, e o de Eloá chocaram o País. Nos últimos 4 anos, apenas na região metropolitana do Rio, nada menos que 601 crianças e adolescentes foram baleadas, sendo que metade em ações policiais. No município, 586 escolas foram vítimas de balas perdidas em ações policiais.
O combate ao tráfico de drogas serve de cobertura para uma verdadeira chacina de jovens negros e pobres nas periferias do Brasil. Em 2015 foram 3.330 pessoas mortas pelas polícias militar e civil. Em 2016 este número saltou para 4.244; para 5.225 em 2017 e 6.160 em 2018. Nos 4 anos do desgoverno Bolsonaro, se consolidou neste patamar, sendo mortas 25.770 pessoas pelas polícias estaduais. Nada menos que 44.699 entre 2015 e 2022. Mas os verdadeiros chefes do tráfico, homens brancos que trajam terno e gravata, e que não moram nos morros, mas em bairros da elite, nunca são pegos. Sim, não interessa acabar com o tráfico, é lucrativo para todos.
Lamentavelmente vemos que o despreparo e a violência das PMs perpassam ideologias de direita ou de esquerda. Entre 2018 e 2022, as polícias mais letais foram as do Rio de Janeiro, estado governado pelo PL e da Bahia, governada pelo PT, seguidas das de São Paulo, Goiás e Pará (as cinco responderam por cerca de 60% das mortes). Em 2016, segundo pesquisa contratada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 60% da população brasileira tinham medo da Polícia Civil e 67% temiam a Polícia Militar, cujo contingente em todo o Brasil soma espantosos 660 mil. O Governo Federal não pode assistir impassível tamanho descalabro, urge uma ação política de amplitude nacional.
A redução da violência é um desafio dos governos e da sociedade e sua diminuição, certamente, contribuirá para redução das desigualdades sociais e busca de prosperidade econômica para todos.
BRICS: Na terça-feira, 22 de agosto, terá início em Johannesburgo mais uma cúpula presidencial do BRICS. E a discussão mais relevante será sobre a ampliação do bloco. O BRICS iniciou seu processo de formação em 2006, inicialmente como BRIC (iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China), numa iniciativa que buscou agrupar os mais poderosos países subdesenvolvidos em contraponto ao clube dos países ricos, já organizados no G-7 (EUA, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Canadá) e na OCDE. Eram os chamados “países-baleias”, pelos enormes contingentes populacionais (mercado consumidor) e também pela dimensão de seus territórios (vultosas riquezas naturais, como terras aráveis, recursos minerais etc). A adesão da África do Sul em 2011 visou integrar o continente africano ao bloco.
O BRICS hoje desafia o poder econômico dos países do G-7 e o domínio exclusivo do dólar nas transações comerciais internacionais. Mas não só. Em 1980, mais de 90% das 500 maiores empresas transnacionais do planeta se localizavam nos países do G-7 e seus satélites menores (Espanha, Austrália, Holanda, Bélgica, Suíça, Suécia etc). As multis sediadas em países periféricos eram uma raridade, mas atualmente mais de 30% delas têm sedes em países emergentes, notadamente na China.
Não por acaso o G-7 buscou atrair esses países, criando o G-20, agrupamento que reúne os 10 principais países ricos (o G-7 mais 3: Austrália, Espanha e Coréia do Sul) e 10 países subdesenvolvidos (ou emergentes): os cinco do BRICS mais Indonésia México, Turquia, Arábia Saudita e Argentina, sendo que todos, exceto a Argentina, possuem status de potências regionais. Mas há outras potências regionais entre os países emergentes – como Paquistão, Irã, Nigéria, Egito e Tailândia – que não foram convidadas para o novo clube.
Diferentemente do que pensam alguns “especialistas” em geopolítica – e concordando com Lula – creio que a melhor estratégia para o BRICS enfrentar o poderio das potências imperialistas seria exatamente agrupar essas potências regionais num espaço próprio (como o faz o G-7), e o BRICS é este espaço já construído. Que Johannesburg dê um passo neste rumo.
Júlio Miragaya é doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia.
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