Julia Swart
Universidade de Utrecht
Os investimentos diretos estrangeiros (IDEs) podem ser desagregados em duas partes: i. greenfield – investimento em novos ativos; e ii. fusões e aquisições (F&As) – investimentos na forma de adquirir investimentos já existentes. A maioria dos IDEs no Brasil são formados pelos últimos, fusões e aquisições – F&As. De modo que, quando falamos em IDEs, na maior parte das vezes trata-se de empresas estrangeiras fundindo com ou adquirindo empresas já estabelecidas no Brasil.
Em um artigo de 2011, junto com um coautor, investigamos o impacto dos IDEs, em particular F&As, nas emissões de dióxido de carbono nos países receptores de IDEs. Para tanto, consideramos diferenças entre nível de desenvolvimento dos países e a possibilidade de relações assimétricas entre países (por exemplo, analisamos a possibilidade de investimentos provenientes de países desenvolvidos levarem tecnologia menos poluentes quando investem em outros países desenvolvidos, mas não quando investem em países em desenvolvimento). Também consideramos possíveis diferenças intersetoriais (por exemplo, desagregando os dados entre setores mais e menos poluentes). Por último, uma contribuição importante do artigo foi considerar o papel das instituições multilaterais de sustentabilidade. Como resultado, mostramos que F&As em setores industriais poluentes resultam em maiores emissões de dióxido de carbono nos países receptores de F&As, sendo isso mais significativo quando o investimento ocorre em países em desenvolvimento. Esse resultado sugere que investimentos estrangeiros não trazem necessariamente tecnologias mais avançadas ou sustentáveis que poderiam contribuir para o meio ambiente no Brasil. Pelo contrário, em setores mais poluentes, as F&As poderiam acarretar em maiores emissões, mesmo levando em consideração outros fatores como efeito de escala, exposição internacional, dentre outros.
Compreender melhor o impacto dos investimentos diretos estrangeiros no Brasil é fundamental para formular políticas de atração que sejam bem regulamentadas. A Figura 1 apresenta a entrada líquida de investimentos diretos estrangeiros como porcentagem do PIB para o Brasil e para o mundo, no período entre 1990-2021. Em geral, o Brasil está bem próximo a média mundial, com exceção do período 2005-2009, em que o Brasil esteve significativamente abaixo da média, e do período 2016-2021 em que a entrada líquida (como porcentagem do PIB) foi mais elevada no Brasil do que na média mundial. Desta forma, vemos que os investimentos diretos estrangeiros tem um impacto econômico significativo no Brasil, tornando fundamental entender-se os impactos na economia (e.g. crescimento econômico, competitividade), sociedade (e.g. mercado de trabalho) e no meio-ambiente.
Figura 1 – Investimentos diretos estrangeiros, entrada líquida (% do PIB), 1990-2021.
Fonte: Banco Mundial, World Development Indicators.
Na literatura sugere-se que países com regulações ambientais mais flexíveis ou mais brandas tendem a atrair IDEs em setores mais poluentes. Uma preocupação resultante dessa hipótese é que países em desenvolvimento especializem-se na produção de produtos cuja produção é mais poluente. O Brasil ainda segue atras em relação ao controle de emissões de dióxido de carbono (CO2). A Figura 2 mostra que apesar do Brasil emitir menos CO2 que a média mundial em relação ao seu PIB, o progresso tem sido muito maior no mundo do que no Brasil. Enquanto na média mundial as emissões de CO2 caíram de 0.72 quilogramas em relação ao PIB em 1990 para 0.26 em 2019, no Brasil os valores foram de 0.20 para 0.13. Ou seja, no mundo a queda foi de aproximadamente 64% enquanto no Brasil a queda foi de 32%, significativamente menor. Entretanto, em termos absolutos, as emissões de CO2 cresceram aproximadamente 67% no mundo e 119% no Brasil nesse mesmo período.
Figura 2 – Emissões de CO2 (quilogramas por paridade do poder de compra em $ do PIB), 1990-2019.
Fonte: Banco Mundial, World Development Indicators.
Essas estatísticas sugerem que, de maneira geral, o Brasil não tem dado a devida importância ao aumento da poluição. De fato, pouco foi o avanço no Brasil ao combate as emissões de gases de efeito estufa. Investidores estrangeiros podem interpretar essa passividade como sendo desnecessário implementar medidas para reduzir essas emissões ao investir no Brasil. Isso pode impulsionar investimentos diretos estrangeiros em setores cuja produção seja mais poluente. Com essa intenção, usando dados de F&As no período 1990 a 2021 analiso abaixo se os investimentos diretos estrangeiros no Brasil concentraram-se de fato em setores mais poluentes.
Com o objetivo de analisar se as F&As no Brasil são mais ou menos poluentes, considerei 7 setores: i. Agricultura, Floresta e Pesca; ii. Construção; iii. Indústrias extrativas; iv. Serviços; v. Setor Industrial com intensidade de poluição baixa; vi. Setor industrial com intensidade de poluição média; vii. Setor industrial com intensidade de poluição alta. Para formar os três últimos citados setores, usei uma classificação do Banco Mundial baseada num índice de intensidade tóxica para o ser humano, o que possibilitou a classificação das diferentes indústrias de acordo com a intensidade de poluição.
No período de 1990-2021, o Brasil recebeu 12,486 F&As. Enquanto a Figura 1 mostrou a participação dos IDEs no PIB brasileiro, a Figura 3 apresenta o número total de F&As no Brasil entre 1990 e 2021. Ambas figuras mostram que os investimentos diretos estrangeiros ocorrem em “ondas”, ou seja, há picos com várias entradas de IDEs e outras fases com menos entradas de IDEs. Essa é uma tendência observada em outros países e mostra que investidores são atraídos para os países em que outros investidores também estejam investindo.
Figura 3 – Número de F&As no Brasil, 1990-2021.
Fonte: Thomson Financial Investment Bank.
Em geral, o setor que mais atraiu F&As no Brasil, foi o setor de serviços. Em 2021, por exemplo, 84% das F&As no Brasil foram no setor de serviços. No entanto, historicamente, os setores de serviços foram menos prevalentes. A Figura 4 mostra os três setores que mais receberam F&As no Brasil entre 1990 e 2021, e indica que em 1991 apenas 23% dos F&As foram no setor de serviços. Por outro lado, na década de 1990 muitas das fusões e aquisições foram nos setores industriais com intensidade de poluição alta e média. Ao longo do tempo, entretanto esses percentuais vêm caindo, e podemos dizer que as F&A no Brasil têm se tornado mais verdes (ecologização dos investimentos), pelo menos em termos relativos.
Figura 4 – Número e porcentagem de F&As no Brasil nos três setores que mais atraíram F&As, 1990-2021. Notas: Em azul: número de F&As; em vermelho: porcentagem em relação ao total de F&As no ano respectivo.
Fonte: Thomson Financial Investment Bank.
Esse padrão que aqui chamamos de ecologização das F&As é independente das ondas de F&As. De modo que podemos falar de uma tendência de F&As no Brasil se deslocarem para setores menos poluentes. Essa análise dos dados mostra, portanto que não houve um crescimento, em termos relativos, de F&As para setores mais poluentes, o que é encorajador. No entanto, isso não prova que não existam investidores procurando investir no Brasil por causa de regulações ambientais menos restritivas, mas sim que a maior parte dos investimentos não é direcionado a setores mais poluentes. Indiretamente, no entanto, os IDEs de maneira geral, podem ter impacto no meio do ambiente (por exemplo, por favorecer a adoção de tecnologias mais limpas ou não, por favorecer o desenvolvimento de determinadas demandas no Brasil, etc,), de modo que mais pesquisa faz-se necessário para entender melhor o impacto dos IDEs no meio ambiente brasileiro.
Referências
Swart, J. and Van Marrewijk, C. (2011) “The pollution effects of mergers and acquisitions: asymmetry, disaggregation, and multilateralism.” Tinbergen Institute Discussion Paper, 11-073/2. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1825063
Dr. Julia Swart | Assistant Professor | Utrecht University School of Economics (U.S.E.) | Faculteit Recht, Economie, Bestuur en Organisatie (REBO)/Faculty of Law, Economics and Governance | Personal home page: http://www.uu.nl/leg/staff/JSwart |
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