José Luis Oreiro
Corecon-DF nº 7263
O IBGE acabou de divulgar os dados do PIB no acumulado do ano de 2023 (Ver https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/39303-pib-cresce-2-9-em-2023-e-fecha-o-ano-em-r-10-9-trilhoes). A economia brasileira apresentou um crescimento de 2,9% no acumulado de 2023 e de 0,0% na comparação entre o quarto trimestre de 2023 com o terceiro trimestre. Trata-se de um crescimento mediano do PIB, compatível com um crescimento de apenas 2,2% do PIB per capita, um nível bom mas insuficiente para o Brasil fazer o catching-up com relação as economias de alta renda.
Do lado da demanda, observamos que o crescimento foi puxado pelo consumo das famílias o que apresentou um crescimento de 3,1% em 2023. A decepção veio da formação bruta de capital fixo, que apresentou uma queda 3% em quatro trimestres. Com isso da taxa de investimento da economia brasileira recuou de 17,8% do PIB em 2022 para 16,5% do PIB em 2023. Esse comportamento da taxa de investimento deve acender um sinal de alerta para a equipe econômica do governo no que se refere a sustentabilidade da atual trajetória de crescimento. Isso porque o crescimento com estabilidade de preços só é possível se a demanda agregada e a capacidade produtiva estiverem crescendo em linha uma com a outra.
O problema é que a redução da taxa de investimento entre 2022 e 2023 fez com que a taxa de crescimento do PIB compatível com a estabilidade de preços se reduzisse de 2,43% para 2,0% [cálculos do autor]. Dessa forma, um crescimento de 2,9% do PIB em 2023 não é sustentável a médio prazo pois irá levar a um aumento da pressão inflacionária, produzindo um fim prematuro do atual ciclo de queda da taxa Selic. Nesse contexto, a equipe econômica deveria pensar em algum tipo de flexibilização do atual arcabouço fiscal de maneira a permitir um incremento considerável do investimento em infraestrutura do governo central ao longo de 2024. Para que a economia brasileira possa crescer de forma sustentada a, pelo menos, 3% a.a a taxa de investimento precisa ser aumentada para 20% do PIB.
Do lado da oferta, a indústria cresceu abaixo do PIB, apresentando um crescimento de 1,6% ao longo do ano de 2023. No entanto, quando desagregamos os dados de crescimento da indústria verifica-se que o mesmo foi puxado pela indústria extrativa (petróleo e gás natural e de minério de ferro) que apresentou um crescimento de 8,7% e pela indústria de serviços de utilidade pública como Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos que apresentou um crescimento de 6,5%. A indústria de transformação, que é o setor mais intensivo em tecnologia e em máquinas e equipamentos, com maior encadeamento para frente e para trás na matriz produtiva apresentou uma queda de 1,3% causado principalmente pela queda na fabricação de: produtos químicos; máquinas e equipamentos; metalurgia; indústria automotiva; ou seja, pela queda dos produção dos bens manufaturados mais intensivos em tecnologia.
Sendo assim, o processo de desindustrialização prematura da economia brasileira continua de vento em popa, apesar de todo o discurso da equipe econômica sobre uma neo-industrialização da economia brasileira. Os dados de 2023 nos mostram que no que se refere a mudança estrutural da economia brasileira na direção de uma economia mais sofisticada e baseada no conhecimento, ao invés da produção e exportação de produtos primários (minério de ferro, soja e carne), o governo demonstrou até agora mais boas intenções do que resultados práticos.
O destaque do PIB do lado da oferta foi a agropecuária que apresentou um crescimento de 15,1% ao longo do ano de 2023 puxado pelo crescimento da produção de soja (27,1%) e milho (19,0%), que alcançaram níveis recordes na série histórica. Deve-se ressaltar que a produção de soja é destinada quase que inteiramente para a exportação, contribuindo muito pouco para o abastecimento do mercado interno e, portanto, para a redução do custo de vida do povo brasileiro. Já algumas lavouras que tem uma maior importância para o abastecimento do mercado doméstico registraram queda na estimativa de produção anual, como, por exemplo, trigo (-22,8%), laranja (-7,4%) e arroz (-3,5%).
Os dados do PIB pelo lado da oferta mostram um crescimento estruturalmente ruim. O Brasil continua na sua trajetória de se tornar – se é que já não se tornou – um grande fazendão cercado de serviços de baixa intensidade tecnológica e baixa capacitação profissional por todos os lados. O governo precisa empreender uma mudança no modelo de desenvolvimento econômico e dar menos importância para querelas insignificantes sobre o resultado primário de 2024 antes que seja tarde demais.
José Luis Oreiro é Doutor em Economia pelo IE/UFRJ; Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB); Pesquisador Nível IB do CNPq, Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo da FGV-SP, Membro da Post Keynesian Economics Society e líder do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento.
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