Rogério Nagamine Costanzi[1]
Com a divulgação dos primeiros resultados do Censo Demográfico de 2022, torna-se possível iniciar análises importantes sobre a evolução do país, não apenas no período de 2010 a 2022, como também nas últimas décadas. Em que pese ainda não terem sido divulgados os dados por idade ou faixa etária, já é possível comparar a evolução da população total vis-à-vis o estoque de benefícios do atual Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Essa análise é importante tendo em vista que, em função da tendência demográfica de envelhecimento populacional, o esperado é um ritmo de incremento do estoque de benefícios superior ao da população. Com este objetivo o presente artigo está organizado, de forma simplificada, da seguinte forma:
- Na primeira seção é feita uma análise comparativa simplificada da evolução da população no período de 1980 a 2022 com o estoque de benefícios do atual Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no mesmo período;
- Na segunda parte serão feitas as considerações finais.
1 – Evolução Comparativa da População com Estoque de Benefícios do Atual INSS – 1980 a 2022
Com algumas simplificações, e de forma breve, é muito relevante realizar a evolução comparativa da população brasileira e do estoque de benefícios do atual INSS para o período de 1980 a 2022. Essa comparação é bastante simbólica das transformações que vem ocorrendo no país nas últimas décadas.
Os dados da população têm como fonte os censos demográficos de 1980 a 2022. Já os dados de estoque de benefícios são de registros administrativos do atual INSS, tanto previdenciários como também assistenciais que são pagos pela referida autarquia. Portanto, o dado de benefício acaba não englobando todo estoque previdenciário, por não incorporar aqueles de regimes próprios de previdência de servidores públicos (RPPS) e mesmo dos militares, sendo focado no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Também não engloba todo o conjunto dos benefícios assistenciais, mas apenas aqueles que são pagos diretamente pelo INSS, que são, na maior parte, do Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/LOAS).
Cabe também destacar que o INSS, embora tenha sido criado em 1990 e, portanto, não existia em 1980, foi decorrente da fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) com o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)[2] e, portanto, não representa um obstáculo a análise da evolução comparativa. Feitas essas considerações iniciais, pode-se notar que ao longo de todo o período de 1980 a 2022 o ritmo de crescimento do estoque de benefícios previdenciários do atual RGPS e do INSS foram superiores ao da população como um todo (vide tabela 1). Enquanto, entre 1980 e 2022, a população total cresceu 70,6%, os estoques de benefícios do RGPS e do INSS como um todo (incluindo assistenciais) cresceram, respectivamente, 395,8% e 383,4% no mesmo período. Em termos de média anual, a população total cresceu ao ritmo de 1,3%a.a. entre 1980 e 2022, enquanto o estoque de benefícios previdenciários (RGPS) e total do atual INSS (inclui assistenciais) tiveram incremento médio de, respectivamente, 3,9%a.a. e 3,8%a.a. no mesmo período.
Tabela 1 – Evolução da População Brasileira e do Estoque de Benefícios Previdenciários/Assistenciais do Atual INSS
ANO | População | Estoque de Benefícios Previdenciários do RGPS/INSS | Estoque de Benefícios Previdenciários e Assistenciais do Atual INSS |
1980 | 119.002.706 | 6.538.120 | 7.783.899 |
1991 | 146.825.475 | 11.206.225 | 12.635.571 |
2000 | 169.799.170 | 17.531.161 | 19.572.748 |
2010 | 190.755.799 | 24.426.882 | 28.141.263 |
2022 | 203.062.512 | 32.412.927 | 37.623.966 |
Variação Acumulada entre períodos em % | |||
1991/1980 | 23,4 | 71,4 | 62,3 |
2000/1991 | 15,6 | 56,4 | 54,9 |
2010/2000 | 12,3 | 39,3 | 43,8 |
2022/2010 | 6,5 | 32,7 | 33,7 |
2022/1980 | 70,6 | 395,8 | 383,4 |
Variação Média Anual em %a.a. | |||
1991/1980 | 1,9 | 5,0 | 4,5 |
2000/1991 | 1,6 | 5,1 | 5,0 |
2010/2000 | 1,2 | 3,4 | 3,7 |
2022/2010 | 0,5 | 2,4 | 2,4 |
2022/1980 | 1,3 | 3,9 | 3,8 |
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE e do Ministério da Previdência Social. Foi necessária alguma simplificação: os dados de benefícios de 1980 e 1991 são de mantidos e 2000, 2010 e 2022 de emitidos (não altera a ordem de grandeza do incremento). Dados de Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS) – vários anos e suplemento histórico e de Boletins Estatísticos da Previdência Social (BEPS). O estoque de benefícios está na posição de dezembro de cada ano.
Claro, que há simplificações, como considerar o estoque de benefícios com os dados do Censo[3], mas foram necessárias e não alteram a ordem de grandeza dos resultados obtidos e as conclusões principais da análise. Como mostrado, no período de 1980 a 2022, o ritmo de crescimento do estoque de benefícios do atual INSS foi superior ao apresentado pelo incremento da população. Consequentemente, a relação entre estoque de benefícios previdenciários do RGPS dividido pela população total cresceu de 5,5%, em 1980, para 16% em 2022. Já a relação considerando o estoque total do atual INSS (inclui assistenciais) também teve alta: de 6,5%, em 1980, para 18,5% em 2022 (vide tabela 2). Cabe lembrar que ainda não foram considerados os benefícios do RPPS e militares e, portanto, a relação em 2022 é ainda maior. Também não foram considerados benefícios que são pagos diretamente pelas empresas e posteriormente abatidos de suas contribuições, como salário-maternidade e salário-família do RGPS.
De forma inversa, considerando o INSS (antigo INPS), em 1980 havia um benefício para cada 15,3 habitantes. Essa relação caiu para 1 benefício para cada 5,4 habitantes em 2022 (vide tabela 2).
Essa alteração reflete, entre outros fatores, a profunda transformação demográfica que o Brasil passou no período de 1980 a 2022, com queda da fecundidade, aumento da expectativa de vida e rápido e intenso envelhecimento populacional, que deve continuar nas próximas décadas. Claro, entretanto, que há outros fatores como, por exemplo, variações ou incremento na cobertura ou proteção social, mas a demografia é uma variável fundamental.
Tabela 2 – Evolução da Relação entre Estoque de Benefícios Previdenciários RGPS / INSS e População Total 1980-2022
ANO | Estoque de Benefícios Previdenciários RGPS / População Total em% | Estoque de Benefícios do atual INSS* / População Total em% | População Total / Estoque de Benefícios Previdenciários RGPS | População Total / Estoque Total de Benefícios do Atual INSS |
1980 (a) | 5,5 | 6,5 | 18,2 | 15,3 |
1991 | 7,6 | 8,6 | 13,1 | 11,6 |
2000 | 10,3 | 11,5 | 9,7 | 8,7 |
2010 | 12,8 | 14,8 | 7,8 | 6,8 |
2022 (b) | 16,0 | 18,5 | 6,3 | 5,4 |
Relação 2022/1980
(b) / (a) |
2,9 | 2,8 | 0,34 | 0,35 |
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE e do Ministério da Previdência Social. * inclui assistenciais e de legislação específica.
Esse incremento da relação entre benefícios/população certamente reflete o aumento da participação dos idosos na população total. Como o IBGE ainda não divulgou os dados do Censo de 2022 por idade, utilizando, de forma alternativa, os dados das Nações Unidas, pode-se notar que existe uma correlação positiva expressiva entre a relação de benefícios previdenciários/população com a participação dos idosos (60 anos ou mais) na população (gráfico 1 – correlação de Pearson de 0,97[4]).
Dado que se espera que a participação dos idosos continue crescendo de forma significativa nas próximas décadas, também se pode esperar um incremento contínuo da relação estoque de benefícios/população. Claro, contudo, que a reforma de 2019 terá impacto nessa correlação. De qualquer forma, o resultado esperado é incremento da importância relativa dos benefícios previdenciários. A projeção demográfica das Nações Unidas é que a participação dos idosos continue a crescer nas próximas décadas (devendo alcançar em torno de 1/3 por volta de 2060 e 39,7% do total em 2100). Em função dessa tendência, ceteris paribus, o esperado é uma contínua piora na relação entre contribuintes e beneficiários e a necessidade de fortalecimento do financiamento da previdência, que vem sendo fragilizado pelo MicroEmpreendedor Individual (MEI), que tem sido caracterizado por inadequada focalização e permitido a substituição de emprego com carteira de trabalho assinada por MEI (Costanzi e Sidone, 2022; Costanzi e Magalhães, 2023; Costanzi, 2023).
Gráfico 1 – Evolução da Participação dos Idosos e Relação Estoque de Benefícios / População
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do IBGE, Nações Unidas e Ministério da Previdência.
2 – Considerações Finais
Como mostrado ao longo deste breve artigo, o período de 1980 a 2022 foi marcado por um crescimento dos estoques de benefícios previdenciários (RGPS) e totais (incluindo assistenciais) do atual INSS superiores ao ritmo de incremento da população total. Entre 1980 a 2022, enquanto a população total cresceu 70,6%, o estoque de benefícios do RGPS e do atual INSS cresceram, respectivamente, 395,8% e 383,4% no mesmo período, ou seja, praticamente quintuplicaram. Em termos de média anual, a população total cresceu ao ritmo de 1,3%a.a. entre 1980 e 2022, enquanto os estoques de benefícios previdenciários e total (incluindo assistenciais) do atual INSS tiveram incremento médio de, respectivamente, 3,9%a.a. e 3,8%a.a. no mesmo período.
Em função desse comportamento, houve incremento relevante da relação entre benefícios/população total, que passou de 6,5%, em 1980, para 18,5% em 2022. De forma inversa, isso significa que o país passou de 1 benefício a cada 15,3 habitantes, em 1980, para 1 prestação a cada 5,4 habitantes em 2022 (sem considerar benefícios dos RPPS e dos militares). Conforme forem sendo liberados novos dados do Censo Demográfico será possível ampliar/aprofundar a análise, em especial, a desagregação por idade/grupo etário.
Esse comportamento, de incremento dos benefícios previdenciários acima do ritmo de crescimento da população, observado no período de 1980 a 2022 tem vários fatores, mas certamente as transformações demográficas têm um peso fundamental no processo. Claro, contudo, que há outros fatores, como variações na cobertura, mas o envelhecimento populacional é um fator muito importante para explicar esse processo. Ademais, dadas as projeções demográficas, esse processo deve continuar nas próximas décadas. Tendo em vista esse comportamento esperado, torna-se fundamental debater a necessidade de fortalecer o financiamento da Seguridade Social neste contexto de rápido e intenso envelhecimento populacional. Esse debate é importante, tendo em vista políticas que têm permitido a substituição de emprego com carteira de trabalho assinada por MEI, com impactos sobre a precarização do mercado de trabalho e fragilização do financiamento da previdência social. A título de exemplo, em 2021, o MEI chegou a representar cerca de 10% dos contribuintes do RGPS, mas respondeu por cerca de apenas 1% da receita do referido regime (Costanzi e Magalhães, 2023).
Com o rápido e intenso envelhecimento populacional haverá pressão nos gastos da Seguridade Social como um todo, tanto da previdência, como também da assistência e saúde. Há necessidade de planejamento das políticas públicas a médio e longo prazo frente a esse processo, inclusive, debates a respeito do financiamento, inclusive, pelas transformações do mundo do trabalho.
Referências Bibliográficas
BRASIL. IBGE. 2023. Censo Demográfico 2022. População e domicílios. Primeiros resultados.
BRASIL. Ministério da Previdência Social. Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS). Vários Números e Suplemento Histórico.
BRASIL. Ministério da Previdência Social. Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS). Vários Números.
COSTANZI, Rogerio Nagamine. Os Desafios das Políticas Públicas de Previdência Social. 2023. Disponível em: http://anesp.org.br/todas-as-noticias/desafios-das-polticas-pblicas-de-previdncia-social.
COSTANZI, Rogerio Nagamine. MAGALHAES, Mario. Informações FIPE, Março de 2023. A Evolução do MicroEmpreendedor Individual (MEI) e os Impactos no Financiamento da Previdência Social e no Mercado Formal de Trabalho. Disponível em: https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/bif/bif510-15-24.pdf .
COSTANZI, Rogério Nagamine; SIDONE, Otávio. 2022. Avaliação da Política Previdenciária: O Caso do Microempreendedor Individual (MEI). Páginas 319 a 343 do Livro “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil” / Organizador Marcos Mendes. – Rio de Janeiro, RJ: Autografia, 2022 – INSPER.
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION – ILO. 2004. Financing social protection. Cichon, M.; Scholz, W.; van de Meerendonk, A.; Hagemejer, K.; Bertranou, F.; Plamondon, P.Quantitative Methods in Social Protection Series. Geneva, International Labour Office/International Social Security Association, 2004.
[1] Doutor em Economia pela Universidade Autônoma de Madrid. Mestre em Economia pelo IPE/USP e em Direção e Gestão de Sistemas de Seguridade Social pela Universidade de Alcalá/Espanha e pela Organização Ibero-americana de Seguridade Social (OISS). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal. O autor teve passagens pelo Ministério da Previdência Social (Assessor Especial do Ministro, Diretor do Departamento e Subsecretário do Regime Geral de Previdência Social e Coordenador-Geral de Estudos Previdenciários), Ministério do Trabalho e Emprego (Assessor Especial do Ministro e Coordenador-Geral de Emprego e Renda), Ministério do Desenvolvimento Social, IPEA (Coordenador de Seguridade Social) e OIT. Foi membro do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI) e do Conselho Nacional do Trabalho (CNT). Ganhador do Prêmio Interamericano de Proteção Social (2° lugar) da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) em 2015 e do Prêmio SOF de Monografia (2º lugar) do Ministério do Planejamento/ESAF em 2016. Foi Presidente do Cone Sul da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) e Vice-Presidente da Comissão de Adultos Mayores da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS). (E-mail: rogerio.costanzi@uol.com.br).
[2] O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS foi criado em 27 de junho de 1990, por meio do Decreto n° 99.350, a partir da fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – IAPAS com o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, como autarquia vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS, atual Ministério da Previdência.
[3] Embora se tenha fontes diferentes (censo e registro administrativo), em ambos casos se trata do universo e não de estimativas amostrais. Os dados do Censo são de agosto/setembro e de benefícios de dezembro. Foi necessário pela disponibilidade de dados e não altera a ordem de grandeza.
[4] Correlação de Pearson de 0,97 e significativa a 1%. Contudo, o número de observações é pequeno.
“Os conteúdos dos textos publicados, artigos e notas, além dos comentários do público, são de responsabilidade exclusiva de seus autores e signatários, não envolvendo ou refletindo posicionamentos ou opiniões do CORECON-DF.”