Rogério Nagamine Costanzi [1]
De forma gradual, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vem divulgando os dados iniciais do Censo Demográfico de 2022. Recentemente foram divulgados os dados por sexo e idade que permitem analisar questões importantes relacionadas ao envelhecimento da população. Esses dados iniciais não apenas confirmam a continuidade do processo de envelhecimento populacional no Brasil como também permitem falar em aceleração do referido processo. Esse diagnóstico reforça a importância de planejamento das políticas públicas de médio e longo prazo no sentido de preservar o financiamento da seguridade social cujas despesas serão pressionadas, tanto os gastos previdenciários, como também saúde e assistência social.
1- A Aceleração do Processo de Envelhecimento Populacional
Os resultados do Censo Demográfico 2022 confirmam a continuidade do processo de rápido e intenso envelhecimento populacional pelo qual o Brasil está passando e que irá continuar nas próximas décadas. Analisando a evolução no período de 1920 a 2012, nota-se a tendência de crescimento da participação dos idosos ou pessoas de 60 anos ou mais de idade na população total. A referida participação saltou de um patamar em torno de 4,7%, em 1960, para 15,8% em 2022. A tendência de incremento vem ocorrendo, de forma mais significativa, desde a década de 1970, mas se acelerou no atual século, sendo que subiu de 10,8% para 15,8% entre 2010 e 2022 (vide gráfico 1 e tabela 1).
Por outro lado, a participação do grupo etário de 0 a 19 anos, após atingir o patamar máximo de 53%, no ano de 1970, vem desde então caindo de forma significativa como reflexo da combinação de queda da fecundidade e aumento da expectativa de (sobre)vida. Em 2022, a participação das pessoas até 19 anos de idade atingiu seu patamar mais baixo de todo o período de 1920 a 2022, caindo para 26,8% do total (ver gráfico 1).
Gráfico 1
Distribuição Etária da População Brasileira – em % do total
Brasil – 1920 a 2022
Fonte: elaboração do autor a partir dados do IBGE
A participação da população de 65 anos ou mais na população total também cresceu de forma significativa nas últimas décadas: subiu de 4%, em 1980, para 10,9% em 2022. O maior incremento ocorreu exatamente entre 2010 e 2022, quando a participação na população total saltou de 7,4% para 10,9% (vide tabela 1).
Por outro lado, o grupo etário de 15 a 59 anos, que teve aumento da participação entre 1980 e 2010, acabou tendo sua importância relativa na população total caindo de 65,1% para 64,4% entre 2010 e 2022. Esse recuo é um claro indicador que já se pode falar do chamado fim do bônus demográfico no Brasil.
Tabela 1
Participação de Grupos Etários na População Total em %
Brasil – Censos de 1980 a 2022
Fonte: elaboração do autor a partir dados do IBGE
A comparação do crescimento dos potenciais contribuintes e beneficiários para previdência social nas últimas décadas têm mostrado que os últimos estão crescendo em ritmo muito superior ao dos primeiros. Entre 2010 e 2022, o total de pessoas de 20 a 64 anos, passou de 113,8 milhões para 126,4 milhões, que correspondeu a crescimento acumulado de 11,1%. Em termos de média anual, correspondeu à média anual de crescimento apenas + 0,9%a.a. (tabela 2). Esse grupo representou, em 2022, 95,7% do total de contribuintes no país[3]. O crescimento relativo da população de 15 a 59 anos foi ainda mais baixo: ritmo médio anual de apenas 0,4%a.a., ou seja, abaixo da média de todos os grupos etários (0,5%a.a. – tabela 2).
Por outro lado, a população de 65 anos ou mais, passou de 14,1 milhões, em 2010, para 22,2 milhões em 2022 (alta acumulada de 57,4%). Esse incremento representa taxa de crescimento médio anual de + 3,9%a.a.. Portanto, entre 2010 e 2022, enquanto os potenciais contribuintes cresceram ao ritmo de 0,9%a.a.[2], os idosos potenciais beneficiários de 65 anos ou mais tiveram alta média anual de cerca de 3,9%a.a.. Usando essas faixas etárias, o possível universo de beneficiários da previdência cresceu a um ritmo cerca de 4,4 vezes o dos contribuintes (20 a 64 anos).
Já as pessoas idosas, de 60 anos ou mais de idade, aumentaram de 20,6 milhões para 32,1 milhões entre 2010 e 2022, que correspondeu a uma alta acumulada de 56% (média anual de +3,8%a.a.). Em termos absolutos, o total de idosos no país aumentou, em média, cerca de 960 mil idosos a mais por ano entre 2010 e 2022 (vide tabela 2).
Todos esses dados deixam claro que é possível falar tanto em um processo de aceleração do envelhecimento populacional, como também denotar que a evolução demográfica está levando a uma piora contínua e estrutural entre potenciais contribuintes e beneficiários da previdência social.
Tabela 2 – Evolução da População Brasileira – 2010 e 2022
Censos Demográficos de 2010 e 2022 – população total e grupos etários
Fonte: Elaboração do autor a partir de informações do IBGE
Em termos de implicações para a relação entre contribuintes e beneficiários, pode-se usar a comparação entre os grupos de 15 a 59 anos, como sendo o de potenciais contribuintes, e de 60 anos como uma proxy de possíveis beneficiários. A título de exemplo, a estimativa pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Anual de 2022, a faixa etária de 15 a 59 anos respondia por cerca de 94,6% do total de contribuintes para previdência[4], enquanto a população de 60 anos ou mais de idade compreendia 81% do total de beneficiários de aposentadoria e/ou pensão por morte.
A partir dessa simplificação, podemos concluir por uma piora muito significativa da relação entre potenciais contribuintes e beneficiários para previdência social entre 2010 e 2022, que deve continuar ocorrendo nas próximas décadas. Em 2010, havia 6 potenciais contribuintes de 15 a 59 anos para cada possível beneficiário de 60 anos ou mais de idade. Essa mesma relação caiu para 4,1 em 2022 (tabela 3). Esse é um potencial dado pela demografia mas, contudo, tendo em vista questões como informalidade, desemprego e também por pessoas fora da força de trabalho, a relação efetiva acaba sendo muito menor que esse potencial demográfico. Ademais, os beneficiários da previdência englobam faixas etárias abaixo da idade 60 anos, seja por regras de aposentadoria como a rural, que permite que as mulheres se aposentem aos 55 anos, como também por benefícios como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte que são concedidos para pessoas que não são idosas.
Em 2022, por exemplo, a estimativa feita a partir da PNAD Contínua Anual era de um total de 61,9 milhões de contribuintes para previdência e cerca de 31,4 milhões de beneficiários de aposentadoria, pensão ou BPC/LOAS, que acaba resultando em uma relação de 1,97 contribuintes por beneficiário. O BPC/LOAS, embora seja assistencial, pode ser considerado uma aposentadoria de caráter não contributivo.
Tabela 3 – Relação Demográfica de Potenciais Contribuintes e Beneficiários da Previdência Social
Fonte: elaboração a partir de dados do Censo Demográfico de 2010 e 2022.
2- Considerações Finais
Os resultados iniciais do Censo Demográfico de 2022 não apenas confirmam a continuidade do processo de envelhecimento populacional e o fim do chamado bônus demográfico, como também permitem falar em aceleração do referido processo. De forma estrutural, essa tendência demográfica irá gerar, de forma inevitável, uma contínua piora da relação entre potenciais e efetivos contribuintes e beneficiários para previdência social. Essa tendência estrutural pode e precisa ser atenuada por políticas adequadas de mercado de trabalho, mas dificilmente pode ser revertida com bom desempenho do mundo laboral, que não vem ocorrendo de forma sustentada desde a forte recessão de 2015/2016. Ademais, o próprio envelhecimento populacional, ao representar uma diminuição relativa e absoluta da força de trabalho, tende a ter impactos negativos também sobre o próprio ritmo de crescimento econômico, que é fundamental para a performance do mercado laboral. Por essa razão, é inevitável uma piora da relação entre contribuintes e beneficiários da previdência social, que já vem ocorrendo há muito tempo.
Do ponto de vista das políticas públicas, será fundamental buscar políticas de redução da informalidade, do desemprego, mas também medidas para tentar incrementar as taxas de participação no mercado de trabalho, em especial, entre as mulheres. Ademais, também será necessário que as políticas públicas previdenciárias precisam ser pensadas dentro de um contexto de planejamento de médio e longo prazo que busque, de alguma forma, preservar o financiamento da seguridade e previdência social, que serão pressionadas pela aceleração do envelhecimento nas próximas décadas. As atuais discussões sobre desoneração da folha precisam ser debatidas com maior profundidade sobre seus impactos, inclusive, distributivos e com uma análise conjunta das implicações para o financiamento da previdência e as alternativas para garantir o custeio integral dessa que é a maior política de transferência de renda, e não de investimento ou geração de renda, quando se considera os valores monetários envolvidos no pagamento de benefícios.
A previdência é um contrato social entre gerações, que acaba servindo como parâmetro para distribuição da produção futura entre essas referidas gerações. As políticas, tanto do lado da despesa como do custeio, precisam analisar os impactos futuros na equidade intergeracional de longo prazo das escolhas atuais.
Os países com populações envelhecidas e em rápido envelhecimento devem tomar medidas para adaptar as políticas públicas à crescente proporção de pessoas idosas, nomeadamente melhorando a sustentabilidade dos sistemas de seguridade social e previdência e estabelecendo sistemas universais de cuidados de saúde e de cuidados de longa duração (United Nations, 2022).
Referências Bibliográficas
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2023. Censo Demográfico 2022. População por idade e sexo. Pessoas de 60 anos ou mais de idade. Resultados do universo. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2023. Censo Demográfico 2022 População por idade e sexo. Resultados do universo Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação
United Nations. 2022. Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2022). World Population Prospects 2022: Summary of Results. UN DESA/POP/2022/TR/NO. 3.
[1] Doutor em Economia pela Universidade Autônoma de Madrid. Mestre em Economia pelo IPE/USP e em Direção e Gestão de Sistemas de Seguridade Social pela Universidade de Alcalá/Espanha e pela Organização Ibero-americana de Seguridade Social (OISS). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Governo Federal. O autor teve passagens pelo Ministério da Previdência Social (Assessor Especial do Ministro, Diretor do Departamento e Subsecretário do Regime Geral de Previdência Social e Coordenador-Geral de Estudos Previdenciários), Ministério do Trabalho e Emprego (Assessor Especial do Ministro e Coordenador-Geral de Emprego e Renda), Ministério do Desenvolvimento Social, IPEA (Coordenador de Seguridade Social) e OIT. Foi membro do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT), do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI) e do Conselho Nacional do Trabalho (CNT). Ganhador do Prêmio Interamericano de Proteção Social (2° lugar) da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) em 2015 e do Prêmio SOF de Monografia (2º lugar) do Ministério do Planejamento/ESAF em 2016. Foi Presidente do Cone Sul da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS) e Vice-Presidente da Comissão de Adultos Mayores da Conferência Interamericana de Seguridade Social (CISS). (E-mail: rogerio.costanzi@uol.com.br).
[2] Estimativa feita a partir dos microdados da PNAD Contínua Anual de 2022 – 5º visita.
[3] Considerando a faixa etária de 20 a 64 anos.
[4] Estimativa feita a partir dos microdados da PNAD Contínua Anual de 2022 – 5º visita. Havia um total de 61,8 milhões de contribuintes, sendo que 58,5 milhões tinham entre 15 a 59 anos. Havia um total de 28,5 milhões de beneficiários de aposentadoria e/ou pensão por morte, sendo que 23,1 milhões tinham 60 anos ou mais de idade.
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