AUMENTO DAS DESIGUALDADES ECONÔMICAS DE MUNICÍPIOS MENOS DESENVOLVIDOS PROVOCADO PELO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL
JORGE DE FRIAS BARBOSA
INTRODUÇÃO
O tratamento dispensado à moeda por Keynes e por autores pós-keynesianos atribuem à moeda um papel fundamental para o desenvolvimento econômico de economias de produção. A moeda é concebida como não neutra tanto no longo como no curto prazo.
A partir deste princípio, inúmeros trabalhos foram publicados demonstrando a importância do sistema financeiro para o desenvolvimento econômico.
A teoria da dependência, embora introduzindo algumas limitações financeiras para explicação da influência do setor financeiro no desenvolvimento econômico, não abrange todos os papéis potenciais que o sistema financeiro pode desempenhar no desenvolvimento e no acirramento das desigualdades.
Exatamente, com a finalidade de cobrir esse hiato e de demonstrar que os sistema financeiro tem um papel importante no desenvolvimento e no acirramento das desigualdades econômicas e sociais é que apresentamos o presente trabalho.
O CASO BRASILEIRO
Influenciado pelas teorias da época de que o desenvolvimento do sistema financeiro estimularia o desenvolvimento econômico do País, o Governo Brasileiro implantou a reforma do sistema financeiro em 1964.
De fato, a reforma feita no sistema financeiro a partir de 1964 foi importante para o desenvolvimento econômico do País. Com reflexos no produto interno bruto real.
Contudo, apesar do crescimento econômico alcançado pelo Brasil, algumas municípios cresceram num ritmo mais lento, mantendo as desigualdades econômicas inalteradas entre elas e as demais.
Diversos fatores contribuíram para a manutenção das desigualdades econômicas e sociais brasileiras, mas, certamente, um desses fatores foi o rumo que o sistema financeiro tomou após 1964.
Paralelamente, ao processo de desenvolvimento econômico houve, também, um processo de concentração bancária. A concentração bancária, incentivada, no início, pelo Governo Brasileiro, passou a ser preocupante e combatida pelo mesmo governo. Contudo, sempre prevaleceu a lógica do mecanismo de mercado.
Paulatinamente, o sistema de bancos regionais privados e o sistema de bancos públicos estaduais foram desaparecendo, poucos bancos estaduais sobreviveram. Hoje o sistema bancário é composto fundamentalmente de bancos federais, privados e públicos, nacionalmente integrados.
Como os agentes financeiros são livres para direcionar seus investimentos é óbvio que preferem aplicar os mesmos em empreendimentos mais rentáveis em regiões mais desenvolvidas e nos mercados financeiros.
Essa possibilidade de livre aplicação da moeda, consequentemente, acaba por condicionar a dinâmica do processo produtivo e o desenvolvimento de municípios menos desenvolvidas.
A formação de um sistema nacionalmente integrado, como é o caso atual do Brasil, nos seus múltiplos aspectos, tende a acentuar as desigualdades regionais.
EVIDÊNCIA EMPÍRICA
Nossa pesquisa começa com a medição dos montantes das aplicações (créditos) e das captações (incluindo somente depósitos à prazo e depósitos de poupança) feitos pelo sistema bancário brasileiro (bancos públicos e privados) nos municípios brasileiros com atendimento bancário. Portanto o total das captações esta abaixo dos valores praticados pelo sistema bancário. Os valores coletados foram extraídos do sistema ESTBAN do Banco Central do Brasil.
Por hipótese, pressupomos que as diferenças entre as APLICAÇÕES e as CAPTAÇÕES feitas pelo sistema bancário brasileiro (sistema ESTBAN) nos municípios, com atendimento bancário, interferem no desempenho econômico dos mesmos. Isto é, se a diferença for negativa, há uma desaceleração nos investimentos e, consequentemente, uma retração no desempenho econômico e, se for positiva, há uma aceleração no aumento dos investimentos e no desempenho econômico dessas unidades.
Em princípio, por hipótese, os municípios com atendimento bancário mais carentes são os mais atingidos pela presente atuação dos bancos, o que contribui para a manutenção e para o agravamento das diferenças econômicas e sociais no Brasil.
A partir das aplicações e captações municipais (captações não incluído o depósito compulsório) foram calculadas as diferenças entre as aplicações e as captações de todas as agencias processadas pelo sistema ESTBAN dos municípios com atendimento bancário.
Todos os valores foram deflacionados até 2015 (R$ 2015). Foram pesquisados, em média, por ano, 3.437 municípios, com atendimento bancário, ao longo do período de 2009 a 2021. Este conjunto representou a quase a totalidade dos municípios com atendimento bancário no Brasil.
Os conjuntos de dados dos municípios brasileiros com atendimento bancário, em todo o período analisado (2009 a 2021), foram separados em dois grupos: os municípios com diferença negativa (dn) e os municípios com diferença municipal positiva (dp).
Percebe-se que os resultados obtidos com os valores e com a quantidade de municípios negativos do sistema financeiro são muito significantes, conforme resultados abaixo:
ANO |
DN R$ 15 BIILÕES |
MUNICIPIOS |
DP R$ 15
BIILÕES |
MUNICIPIOS |
2009 | -121,00 | 1508 | 409,00 | 1941 |
2010 | -94,80 | 1599 | 534,00 | 1991 |
2011 | -93,00 | 1466 | 589,00 | 2079 |
2012 | -102,00 | 1505 | 920,00 | 2125 |
2013 | -58,30 | 1263 | 1200,00 | 2406 |
2014 | -49,40 | 1147 | 1420,00 | 2528 |
2015 | -30,50 | 1016 | 1650,00 | 2636 |
2016 | -31,00 | 1044 | 1490,00 | 2545 |
2017 | -13,60 | 1145 | 92,80 | 2320 |
2018 | -17,99 | 1629 | 88,13 | 2653 |
2019 | -21,50 | 1737 | 24,27 | 2529 |
2020 | -33,84 | 1945 | 92,54 | 2139 |
2021 | -37,17 | 1883 | 103,98 | 2114 |
MÉDIA | -54,16 | 1453 | 662,59 | 2308 |
Representam, em média, 8 % do valor dos dados negativos (-54,16) em relação aos dados positivos (662,59). Se considerarmos os municípios com valores negativos (1453) (média do período) em relação aos municípios com valores positivos (2308) (média do período) o percentual passa para 63 % . Um valor bastante elevado, tendo em vista que os municípios com diferenças negativas têm pib menor.
Nossa hipótese é que os valores das diferenças (aplicações menos captações) influenciaram o produto interno bruto municipal do ano seguinte. Isto é, os valores das diferenças de 2009 interferem nos valores do pib de 2010 e assim por diante.
Com o objetivo de demonstrar a hipótese anterior utilizamos a metodologia estatística: regressão simples. Foram calculadas as equações por grupo (DN) e (DP) para cada ano, em relação ao ano seguinte.
Onde: Yit = produto interno bruto anual; Xit = diferença entre as aplicações e captações ao ano anterior.
Foram calculadas as equações lineares utilizando os dados dos municípios brasileiros, com atendimento bancário, a nível nacional.
Calculando equações de regressão linear dos dados municipais, no período de 2009 a 2018, tendo em vista que os dados do pib municipal só estão disponíveis até 2019, obtivemos:
EQUAÇÕES LINEARES – DIFERENÇA POSITIVA
ANO | COEFICIENTE | COEFICIENTE | AGENCIAS |
ANGULAR | LINEAR – R$15 MILHOES | ||
2009 | 2,87 | 743 | 1.941 |
2010 | 2,61 | 839 | 1.991 |
2011 | 1,81 | 963 | 2.079 |
2012 | 1,38 | 1.090 | 2.125 |
2013 | 1,12 | 1.310 | 2.406 |
2014 | 0,90 | 1.130 | 2.528 |
2015 | 0,78 | 1.250 | 2.636 |
2016 | 0,88 | 1.320 | 2.545 |
2017 | 1,06 | 1.270 | 2.057 |
2018 | 12,63 | 1.450 | 2.653 |
MEDIA | 2,60 | 1.137 | 2.296 |
EQUAÇÕES LINEARES – DIFERENÇA NEGATIVA
ANO | COEFICIENTE | COEFICIENTE | AGENCIAS |
ANGULAR | LINEAR – R$15 MILHÕES | ||
2009 | -12,19 | 749 | 1.508 |
2010 | -5,40 | 1170 | 1.399 |
2011 | -6,37 | 1100 | 1.466 |
2012 | -12,89 | 748 | 1.505 |
2013 | -10,31 | 839 | 1.263 |
2014 | -12,60 | 684 | 1.147 |
2015 | -15,69 | 551 | 1.016 |
2016 | -14,89 | 536 | 1.044 |
2017 | -102,02 | 179 | 1.145 |
2018 | -106,89 | 69 | 1.271 |
MEDIA | -29,93 | 663 | 1.276 |
O que demonstra que o coeficiente angular das diferenças negativas é mais acentuado (maior) do que os municípios com diferenças positivas.
O coeficiente linear das diferenças negativas apresenta-se menor que o coeficiente linear das diferenças positivas o que indica que os municípios com diferenças negativas tem pib menor que o demais, exceto nos anos de 2009,2010 e 2011.
Esta última particularidade ocorre porque, nesse período, o pib municipal das diferenças negativas (dn) foi influenciado pelo valores extremos (mais elevados).
Para corrigir esta influência optamos por cortar dez porcento (10 %) do pib municipal mais altos dos municípios com diferença negativa.
Utilizamos somente 90 % do pib municipal com diferença negativa (dn). Isto é municípios com pib abaixo do nono decil.
No quadro abaixo, apresentamos as equações lineares com base na aplicação deste procedimento:
EQUAÇÕES LINEARES – DIFERENÇA NEGATIVA COM PIB MUNICIPAL ABAIXO DO NONO DECIL
ANO | COEFICIENTE | COEFICIENTE LINEAR | AGENCIAS |
ANGULAR | R$15 MILHÕES | ||
2009 | -0,74 | 448 | 1.357 |
2010 | -0,33 | 468 | 1.259 |
2011 | -9,39 | 281 | 1.319 |
2012 | -9,39 | 255 | 1.354 |
2013 | -10,97 | 219 | 1.136 |
2014 | 9,69 | 212 | 1.032 |
2015 | -8,63 | 204 | 914 |
2016 | -7,94 | 225 | 939 |
2017 | -13,16 | 309 | 1.030 |
2018 | -13,51 | 359 | 1.143 |
MEDIA | -6,44 | 298 | 1.148 |
Podemos observar que os coeficiente angulares permanecem elevados. Outra observação e que coeficiente lineares estão bem abaixo do coeficientes lineares do pib municipal dos municípios com diferenças positivas, em média 26 % dos coeficientes lineares das equações com diferenças positivas, indicando que os municípios mais em pauta são afetados negativamente pela lógica atual do sistema bancário brasileiro.
CONCLUSÃO
A primeira conclusão que tiramos é que o trabalho apresentado revela evidências empíricas de relação causal positiva e significativa entre o desenvolvimento financeiro e o desenvolvimento econômico, ou seja, os resultados dão suporte à hipótese de que o desenvolvimento financeiro exerce efeito sobre o desenvolvimento econômico municipal .
Desse modo, ganha significado que um estímulo no sistema financeiro provoca uma resposta positiva no crescimento econômico, na medida em que reforça, também, a importância da confiabilidade institucional nesse processo.
Por outro lado, também um desestímulo exercido pelo sistema financeiro provoca uma reação negativa no desenvolvimento.
No atual sistema, os bancos têm liberdade relativa para direcionar seus créditos, dentro do território nacional e, logicamente, procuram maximizar seus lucros.
Esta liberdade de atuação do sistema bancário brasileiro, dada pelo Governo Brasileiro, permite que os bancos procurem maximizar seus lucros, captando recursos em regiões menos desenvolvidas e aplicando os mesmos em regiões mais desenvolvidas do País, onde há projetos mais rentáveis. Criando um círculo vicioso que agrava as desigualdades regionais existentes no Brasil, com consequências desastrosas para a sociedade brasileira.
A propósito, cabe esclarecer o conceito de desenvolvimento sustentável que se tornou mais intensa a partir do lançamento do Relatório Nosso Futuro Comum, em 1987, pela ONU.
O relatório contém o conceito de sustentabilidade social, cujo objetivo é melhorar as condições de vida das massas de excluídos e diminuir a diferença entre ricos e pobres. Contém, também, o conceito de sustentabilidade cujo objetivo é melhorar o equilíbrio rural / urbano.
O modelo de desenvolvimento sustentável se fundamenta no desenvolvimento das condições locais para a sua implementação. O conceito de local não é um espaço micro, pode ser um município, um estado, uma região ou um país.
Como se observa a atuação do sistema financeiro brasileiro é totalmente contraditória ao conceito de sustentabilidade da ONU e ao esforço do Governo Brasileiro de diminuir as diferenças sócio econômicas regionais.
O rompimento dos círculos viciosos que acabamos de expor, só pode ser levado a cabo com a intervenção de um elemento exógeno ao sistema e que por conseguinte atue dentro de uma lógica diferente do mesmo
Esse elemento é sugerido por Dow como sendo o Estado. Este deveria atuar para tanto em duas frentes: a) políticas monetárias regionalmente diferenciadas e b) intervenção direta na estrutura do sistema financeiro (DOW).
Segundo AMADO, a primeira fonte de intervenção seria a aplicação de políticas visando compensar a lógica perversa do sistema financeiro. Por exemplo, estas políticas proporiam a fixação de encaixes compulsórios diversificados segundo a região
A propósito, cabe esclarecer que os bancos informam, periodicamente, ao Banco Central do Brasil o volume total de recursos captados em todo o País e sujeitos ao recolhimento do compulsório. Com base nesse volume total o Banco Central recolhe o compulsório usando o mesmo percentual para todos os municípios ricos e pobres.
Este critério é injusto tendo em vista as diferenças econômicas e sociais entre os municípios ricos e pobres, com atendimento bancário.
Esta diferença demonstra que a parcela retida pelo Banco Central, referente aos municípios pobres, é pequena e não causará impacto nos resultados da política monetária se o Governo Brasileiro diminuir ou isentar o percentual referente ao compulsório dessas regiões, permitindo uma expansão na base monetária nas regiões carentes.
A propósito, os recolhimentos compulsórios, sobre depósitos a prazo, sobre depósitos de poupança e a exigibilidade adicional sobre depósitos, são remunerados. Segundo o Banco Central os depósitos remunerados representam em média 80 % da composição total.
Uma parte do volume desses depósitos remunerados, isto é oitenta por cento do total, é originária dos municípios pobres.
Como vimos os municípios carentes sofrem, duplamente, com o recolhimento do compulsório exercido pelo Governo brasileiro e com o desvio de recursos praticado pelo sistema bancário. Esta constatação é injusta e prejudica a sustentabilidade econômica dessas regiões e aumenta as diferenças econômicas entre municípios pobres e ricos.
A correção dessa injustiça é perfeitamente viável tendo em vista que a coleta das informações financeiras (volume de captações e aplicações dos municípios) foram feitas no Banco Central e a coleta do produto interno bruto municipal foi feita no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. As estatísticas fornecidas pelos dois referidos Órgãos detêm o detalhamento necessário para viabilizar soluções simples e praticas para o caso.
O Banco Central poderia calcular o volume de compulsório dos municípios pobres e, ao invés de reter, deveria remunerar o sistema bancário pela aplicação dessa parcela nas regiões carentes. Cabe lembrar que este critério não iria onerar o Governo tendo em vista que o Banco Central já remunera os Bancos pelo montante de recursos recolhidos a ele.
A aplicação desses recursos, certamente, provocaria o desenvolvimento econômico das regiões menos desenvolvidas sem causar prejuízos na política monetária. Poderíamos pensar, também, na ampliação da base monetária dessas regiões sem prejudicar os resultados da política monetária.
REFERÊNCIAS
AGENDA DE DESENVOLVIMENTO HUMANO E SUSTENTÁVEL PARA O BRASIL DO SÉCULO XXI.
Relatório Final. Programa Regional de Estratégias de Desenvolvimento Local e Sustentável. Projeto PNUD, Brasil, 1998.
AMADO, Adriana Moreira. Moeda, Sistema Financeiro e Trajetória de Desenvolvimento Regional Desigual. In: Lima, G. T. et al. (org). Macroeconomia Moderna Keynes e a Economia Contemporânea. São Paulo: Campus, 1999.
CHICK, V. (1986) “The Evolution of the Banking System and the Theory of Saving, Investment and Interest”. Econommies et Societes, vol 20, Serie Monnaie et Production.
CHICK, V. & DOW, S.C. (1988) “A post-Keynesian Perspective on the Relation Between Banking and Regional Development”. In Arestis, P. (ed.), Post Keynesian Monetary Economics Aldershot, Elgar..
DOW, Sheila. Money and Teh Economic Process. London. Aldershot: E. Elgar, 1993.
DOW, S.C. (1982) “The Regional Composition of the Money Multiplier Process”. Scottish Journal of Political Economy, vol 29, n° 1.
FRIAS, Jorge Barbosa (2013). O Impacto do Desenvolvimento do Sistema Financeiro Nacional Brasileiro Sobre o Desenvolvimento Econômico Regional e das Áreas Menos Desenvolvidas. Mestre em Estatística e Métodos Quantitativos pela Universidade de Brasília.
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