Suzana Squeff Peixoto Silveira
Vilma Guimarães
As questões de gênero e o papel da mulher na sociedade brasileira continuam atuais, mesmo tendo decorrido quase 200 anos desde os debates iniciais no Parlamento brasileiro sobre o direito ao voto feminino.
Se somente em 1932 a mulher brasileira conquistou o direito ao voto, outros avanços têm ocorrido, como o aumento de sua participação na economia brasileira. No início dos anos 1950, a taxa de atividade das mulheres era de apenas 13%, aumentando para 26% no início dos anos 1980 e alcançando 52,7% em 2018.
Contudo, diversas questões ainda se apresentam como grandes desafios. Vejamos, por exemplo, a seguinte nota para a imprensa elaborada pelo do IBGE[1], publicado em 2018, sobre um estudo com estatísticas de gênero no Brasil, com o título “Mulher estuda mais, trabalha mais e ganha menos do que o homem”. Nada mais eloquente.
Além da remuneração menor no mercado de trabalho, a mulher ocupa-se de afazeres domésticos e cuidados de pessoas em proporção maior que os homens. Segundo o IBGE, a mulher dedica 08 horas a mais que o homem nessas atividades dentro da casa.
A rigidez de horários no trabalho assalariado, por exemplo, é um dos fatores que atravanca a vida profissional de uma grande parcela das mulheres. Levar crianças na escola e acompanhar seus estudos ou cuidar de idosos e da rotina doméstica poderia ser melhor distribuída e desenvolvida, caso a mulher pudesse contar com horários de trabalho mais flexíveis, adequados às suas necessidades pessoais e profissionais.
O tempo despendido no transporte entre a residência e o local de trabalho nos horários de “pico” também concorre com o escasso tempo da mulher. Ter flexibilidade para começar sua jornada de trabalho em horário mais tarde, por exemplo, seria de grande valia.
O apoio à mulher, consubstanciado na disponibilidade de creches e escolas, é outro ponto que deveria ser priorizado, para que a maternidade pudesse ser acompanhada de cidadania e responsabilidade. Deixar crianças sem cuidados adequados não é somente uma preocupação do campo da Educação, mas também das políticas de gênero.
O processo de tomada de decisão espelhado na ocupação de cargos de liderança pela mulher ainda é tímido. À primeira vista, tem-se a ideia generalizada de que quando a mulher atinge uma determinada idade, vai deixar a carreira em segundo plano para ter filhos ou focar na família. Ou ainda que mulheres que se sobressaem nas organizações são assertivas demais ou até mesmo agressivas, quando essa mesma assertividade é uma qualidade dos homens que ocupam cargos mais altos.
A mudança de nossa sociedade com relação aos papéis de homens e mulheres está em curso, talvez em ritmo menor do que o desejado. E quais alternativas surgem para a mulher manter-se produtiva e garantindo seu crescimento profissional, sua independência financeira, sem sobrecarga de trabalho?
Se a jornada dupla é um fato, como atesta o IBGE, atuar no ramo da Perícia Judicial pode ser uma boa alternativa para a Mulher Economista, pois é um trabalho realizado de forma autônoma, com a possibilidade de estabelecer uma rotina de trabalho mais flexível.
A atividade de perícia está vinculada às demandas judiciais das instâncias cível, trabalhista e federal. Sempre que o magistrado necessita de conhecimentos técnicos, alheios à área do direito, para a tomada de decisão, recorre a profissionais especializados em suas áreas de formação. E a Mulher Economista está plenamente habilitada para exercer o papel de perita em matérias econômico-financeiras[2] e áreas correlatas.
Em especial, destacam-se a flexibilidade de horário e a possibilidade de trabalhar em esquema de home office, que facilitam a atuação da Mulher Economista, que, como vimos, exerce diversos papéis e acumula afazeres domésticos e familiares com seu trabalho remunerado, rotina esta que se viu mais agravada com a pandemia da COVID-19 e as necessidades de isolamento e restrição à movimentação de pessoas.
Assim, a atividade de perícia econômico-financeira, mesmo num momento de crise, pode vir a ser uma alternativa de trabalho interessante para a Mulher Economista, pois permitirá que ela concilie sua jornada de trabalho com suas atividades junto à família, especialmente, as mães solo.
Poderá ainda reservar mais tempo para sua evolução como profissional, especializando-se em determinado ramo das ciências econômicas, pois na área de perícia a educação continuada é fundamental para que se possa realizar com diligência e qualidade o estudo das questões envolvidas na lide e ganhar a confiança do Juízo.
O campo da Perícia é amplo. No Distrito Federal, o Relatório Justiça em Números 2018[3], elaborado pelo CNJ, mostra que, no ano de 2017, 431 mil novos casos ingressaram na Justiça estadual e 96 mil na Justiça do Trabalho. Ainda que nem todos esses casos envolvam matérias econômico-financeiras ou necessitem de perícia, ainda assim trata-se de um número significativo, em contraste com os pouco mais de 3 mil economistas registrados no Conselho.
Assim, se a Perícia se apresenta como um campo interessante para a atuação do Economista em geral, há espaço relevante a ser ocupado pela Mulher Economista. Dentre os peritos cadastrados no COFECON, apenas 20% são mulheres. No Distrito Federal, os números estão alinhados com a média nacional.
São louváveis, portanto, as recentes iniciativas do CORECON-DF, ao difundir a atividade da perícia judicial entre os economistas e tratar as questões de gênero, por meio da criação do Núcleo de Perícia e do Grupo de Trabalho Mulher Economista, respectivamente. A aliança entre essas duas iniciativas apresenta-se de grande valia para todos. Promover a diversidade traz mais produtividade e maior troca de conhecimentos e experiências, além de gerar inclusão social e justiça.
[1] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem
[2] http://cofecon.org.br/transparencia/files/consolidacao/4.2.1.pdf
[3] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/8d9faee7812d35a58cee3d92d2df2f25.pdf
Suzana Squeff Peixoto Silveira (7267)
suzanasqueff@gmail.com
Economista, formada pela PUC-Rio, tem especialização em Gestão de Negócios pelo IBMEC-DF e em Desenvolvimento Empresarial e Competitividade pelo Centro de Formação da Organização Internacional do Trabalho. Atua como Especialista de Políticas e Indústria na Confederação Nacional da Indústria e como Perita Judicial junto ao TJDFT. Membro do Núcleo de Perícia do Corecon-DF.
Vilma Guimarães (6658)
vilmaperita@gmail.com
Economista formada pela Universidade Federal de Goiás, pós-graduada em Perícias Judiciais e Práticas Atuariais. Empresária, perita especialista em previdência social e complementar, professora e Conselheira do Corecon-DF. Coordenadora do Núcleo de Perícias do Corecon-DF.
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