A crise fiscal brasileira, com déficits primários nunca antes imaginados e incontornáveis em 2016 e 2017, levou o governo a propor uma medida drástica de Emenda Constitucional para estabelecer um teto para o gasto público por vinte anos, com reajustes anuais pela inflação. A intenção do governo foi reverter o pessimismo dos agentes econômicos com o quadro de desequilíbrio das contas públicas e a trajetória de crescimento insustentável da dívida federal, além de sinalizar a intenção de não aumentar a carga tributária, que já fazia parte das expectativas do setor produtivo e trabalhadores, retraindo o consumo e investimento.
A polêmica medida revela a incapacidade das autoridades econômicas de controlar o crescimento do gasto, dado o engessamento do orçamento, com grande parte das despesas obrigatórias, não contingenciáveis, e da tendência do Congresso Nacional de aprovar novas e maiores despesas para atender políticas públicas consideradas prioritárias e atender demandas de segmentos organizados do setor público.
A proposta de teto do gasto do governo federal já traz resultados positivos, no curto prazo, com a melhora de todos os índices de confiança dos agentes econômicos. Os índices de confiança da indústria, serviços, comércio, construção, empresário e consumidor, registravam o maior pessimismo da história no final de 2015 e início de 2016, e assumiram, a partir de então, trajetória de recuperação e se encontram no meio do caminho rumo a um patamar de otimismo.
No médio prazo, entretanto, o teto do gasto pode levar o país a uma crise econômica e social. No primeiro caso, em razão das tendências privatizantes associadas ao teto do gasto. Tal caminho tende a levar o Brasil a estagnação crônica e instabilidade como ocorreu com os países que adotaram as ideias neoliberais nos anos 1990, inclusive o Brasil. No segundo caso, o teto do gasto se coloca em contradição com o desejo da sociedade por mais saúde e educação de qualidade, revelado nas manifestações populares e protestos nas ruas das principais cidades brasileiras nos últimos anos. E, ainda, contraria o objetivo declarado de grande parte dos parlamentares e do próprio governo de aumentar os gastos com saúde e educação.
Sem fazer juízo de valor se o teto do gasto era um “mal necessário”, o fato é que continua complexa a redução dos gastos públicos. As principais despesas primárias do governo hoje são com previdência, 53% da despesa liquidada em 2015; saúde, 10%; educação, 8%; assistência social, 7%; e trabalho 7%. Essas cinco funções orçamentárias totalizam 85% da despesa primária liquidada em 2015.
O fato é que o gasto com previdência tem trajetória natural de crescimento, dado o envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida, além da pressão dos sindicatos e dos aposentados por recuperação de perdas passadas. Os ajustes marginais de retirada de alguns privilégios têm impacto pequeno na despesa e a reforma da previdência só trará resultados no médio e longo prazo, dado o direito adquirido dos trabalhadores. Por outro lado, as propostas de redução da remuneração dos aposentados, com a desvinculação do salário mínimo, são perversas e incompatíveis com uma sociedade democrática. Em síntese, o gasto previdenciário continuará crescendo nos próximos anos e limitando o gasto federal com as demais políticas públicas.
O efeito do teto será a redução gradativa do gasto federal com as demais políticas públicas. A saúde e educação tem a troca do indexador do piso do gasto federal, que passa a ser o crescimento da inflação em lugar da receita corrente líquida (RCL), que acompanha o crescimento da economia. Na Saúde, ainda, há a revogação do aumento do piso do gasto federal estabelecido pela EC 86/2015, que determinava gasto mínimo com saúde de 13,2% da RCL em 2016; 13,7% em 2017; 14,1% em 2018 e 15% a partir de 2019.
O cenário é preocupante e exige medidas criativas. Um caminho possível é retomar a proposta de pacto federativo da Constituição de 1988, com a ampliação da participação dos estados e municípios no bolo tributário. Nesse caminho a ideia é de redução da carga tributária sobre a produção e ampliação do Imposto de Renda, que compõe o Fundo de Participação dos Estados e Municípios (FPE e FPM), invertendo-se o processo de ampliação de tributos não divididos com os entes federativos implementado pelo governo federal pós Constituição de 1988. O aumento da participação do imposto de renda na carga tributária e redução de tributos de pior qualidade melhora a estrutura tributária brasileira e possibilita a correção de anomalias no nosso sistema tributário, como a isenção de cobrança de imposto de renda de lucros e dividendos.
Hoje os Estados e Municípios tem piso de gasto em educação de 25% da RCL, superior aos 18% da União; e piso na saúde de 12% para os Estados e 15% para os Municípios. A ampliação da divisão do bolo tributário em favor dos estados e municípios pode, portanto, garantir o crescimento dos recursos para essas políticas prioritárias.