MARIO CEZAR SILVA SERPA
CORECON-DF Nº 6530
Identificando principais problemas e soluções para o Brasil
Delineado e diagnosticado os principais problemas abordados na Parte I e identificada uma melhor estrutura técnico-política discutida na Parte II para devida exequibilidade de um Plano de Governo, resta-nos definir e avançar, prioritariamente, nos tópicos econômicos a serem endereçados como fundamentais. Em verdade, trata-se mesmo de grandes “propósitos” de governo, e que se coadunem com essa capacidade política de execução articuladas nas diversas instâncias, coordenando ações e respeitando a autonomia dos Poderes. Esses “propósitos”, aqui abordados como essenciais, precisam estar no Plano de Governo eleito, para que se tenha a legitimidade e a força de aceitação, pela vontade dos eleitores, diante das Instituições e Poderes constituídos.
Assim, entendem-se prioritários os seguintes tópicos/reformas:
- Reforma Administrativa (Meritocracia);
- Reforma Tributária (Consumo x Renda);
- Pacto Federativo (Maior avanço autonomia estados);
- Privatizações e concessões (Modelo híbrido);
- Racionalização/Otimização despesas e receitas;
- Abertura econômica (Competitividade).
O equilíbrio das contas públicas do Brasil desponta como condição sine-qua-non para início de solução de todos os nossos problemas. Desta forma, precisamos cortar e conter nossos gastos de forma “incisiva e constante”. A Reforma Administrativa é um caminho importante, sobretudo aquela que enfrente e corte privilégios no âmbito do Governo, e promova efetivamente um alinhamento dos salários para com os da iniciativa privada. Essa reorganização precisa levar em conta a meritocracia, estabelecendo regras e incentivos diversos, em prol do melhoramento da prestação de serviços públicos ao cidadão. A necessidade de enxugamento e da modernização da máquina pública já vai longe, não há mais condições de manutenção do instituto da estabilidade, por exemplo (afora casos excepcionalíssimos). Redução de carreiras e um plano de cargos e salários alinhados para toda estrutura também se impõem, assim como a mobilidade funcional dentro da estrutura governamental. Resguardados direitos “fundamentais”, essas novas regras precisam alcançar a todos, notadamente à avaliação de desempenho, que deve ser constante e com métricas adequadas à cada tipo de serviço prestado. Não menos importante, o processo seletivo de contratação para cargos comissionados deve ser revisto, bem como incluída a possibilidade de contratação de temporários, e toda a flexibilidade existente na iniciativa privada onde, quando necessário, ajustam-se salários e jornadas de trabalho. Importante também que essas reformulações alcancem o Judiciário e o Legislativo, de modo que esse realinhamento seja equânime e sob as devidas perspectivas legais. Estas propostas avançam em relação ao texto enviado pelo governo, que por sua vez já foi “prejudicado” na aprovação do substitutivo aprovado pela Comissão Especial. Contudo, será melhor aprovar este último e avançarmos do que ficarmos com o que temos.
A Reforma Tributária, com a Reforma Administrativa em andamento e gastos sob controle, seria o ideal, mas não dá para esperar. Nossa atual carga tributária é elevadíssima, mas seria uma imprudência fazer uma Reforma Tributária (com os atuais níveis de gastos) com redução da carga imediata sem os devidos estudos. No entanto é possível rearrumar e reordenar. A dificuldade de se pagar imposto é enorme, a complexidade e a burocracia dos processos são gigantescas, sem contar sua regressividade e a injustiça de se impactar os mais vulneráveis. A simplificação impera e a redefinição das cargas sobre o consumo e a renda se impõem. As propostas para simplificação do sistema tributário brasileiro existem desde ao menos a década de 90, e as que têm sido ultimamente debatidas enfrentam as dificuldades acima expostas, mas precisam de maiores avanços para melhorar a competitividade das empresas e assim acelerar o crescimento do país. As propostas mais discutidas nos últimos anos são a PEC 045/19 (Câmara dos Deputados), a PEC 110/19 (Senado federal) e o PL 3887/20 (Governo Federal). Todas, sem exceção, enxergam a simplificação e a transparência como pontos centrais, mas não parecem “abordar” adequadamente o que tange à neutralidade (distorções no ambiente de negócios alterando preços relativos) e a isonomia (equivalência entre empresas semelhantes). De toda sorte, à exemplo da Reforma Administrativa, será melhor aprovar o texto em debate na CCJ do Senado e avançarmos progressivamente do que ficarmos como estamos. O período de transição é compreendido e aceito como fundamental, portanto, os ajustes serão melhores realizados o quanto antes iniciarmos.
O Pacto Federativo, por sua vez, tem alcance de longo prazo e enorme mudança de paradigmas. A ideia subjacente é fundamentalmente propor uma alteração da forma como a União, os estados e municípios se interrelacionam, dando maior autonomia e responsabilidades para os entes subnacionais. O atual governo sempre pensou em um Pacto Federativo em que se teria “a desobrigação, a desindexação e a desvinculação” sobretudo dos recursos públicos, de forma a garantir uma gestão mais adequada às realidades regionais. Precisa ser bem mais do que isso, e também incluir uma transitoriedade para que um equilíbrio dinâmico seja alcançado, sem se desconsiderar as atuais desigualdades regionais. Um novo patamar de políticas públicas mais eficientes pressupõe verdadeira independência e sem “subordinação”, mas que em contrapartida aloca total responsabilidade pelas escolhas e decisões dos estados e municípios. Ainda que quando leis federais entrem em potencial conflito com as dos entes subnacionais, as primeiras se sobreponham, um sistema de “dupla soberania” se faz necessário em todos os segmentos de atuação. O chamado Tenth Amendment da Constituição do EUA serve de bom princípio e sugestão do que aqui se propõe. Poderes não delegados à CF são dos estados. Este enorme avanço institucional dará a liberdade de atuação e privilegiará as reais necessidades e desejos das populações (estados e municípios).
As Privatizações e Concessões necessitam de um rito mais acelerado, quando não sumário. Não se trata de dilapidar patrimônio público ou “entregar” os ativos/joias da União. O conceito é simples e parte da definição não somente do que se quer do Estado brasileiro, mas sobretudo do que o Estado pode e aguenta fazer. Contudo, ainda que no rito atual, uma maior celeridade depende exclusivamente do governo federal. A burocracia existente é maior ou menor conforme “onde” está a empresa a ser privatizada, pois das centenas existentes, temos aquelas subsidiárias pertencentes as estatais (maior facilidade), e as de controle direto da União (mais difícil). De um jeito ou de outro, o ideal é selecionar todas elegíveis, submeter imediatamente ao Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), cujos integrantes são autoridades do próprio governo, e incluir todas no Programa Nacional de Desestatizações (PND). Feito isso, uma força tarefa multidisciplinar preconcebida avança objetivamente com estudos e consultas públicas e, com prazos definidos, encaminha-se para o Tribunal de Contas da União (TCU). O TCU, em linha com debatido na Parte I, providência a análise para se preservar equilíbrio e correções de eventuais irregularidades no Edital e garantir segurança jurídica, liberando para que o Congresso Nacional avalize a venda para os casos que se necessite dessa ação (edição de leis ou emenda à CF). Ao Supremo Tribunal Federal, nos casos em que este exigir, se disponibilize todas as informações concomitantemente ao TCU. Este ordenamento e reorganização que depende fundamentalmente da vontade política do governo federal, poderá agilizar todo o processo, em especial sob a égide de um pacto com os demais poderes, conforme sugerido na Parte I.
Racionalização/Otimização de despesas e receitas está mais para uma política de recorrência do que efetivamente de uma inovação. Com um orçamento absolutamente engessado e baixíssima flexibilidade para gestão e investimentos em áreas finalísticas, o esforço neste segmento precisa de atenção especial e constante. Aqui fazem-se necessárias duas forças-tarefas: uma voltada especificamente para as questões das despesas/custeios e outra no campo das receitas, mas ambas precisam “interagir”. Essas duas estruturas devem reportar-se com regularidade ao Conselho pertinente, e ter metas e prazos bem definidos em programação crível e estruturada. A limitação dos gastos públicos e as alternativas de recuperação e maximização da arrecadação de receitas precisam avançar não somente nas possibilidades imediatas de gestão, mas também contar com o legislativo para as reformas que possam enfrentar, notadamente, as despesas obrigatórias e modelagens que permitam reorganizar a estrutura arrecadatória. A consolidação fiscal tendo como “marco” a LRF (LC 101/00), o Teto dos Gastos e a PEC Emergencial precisam ser respeitadas e intensificadas, pois além da EC nº 95 e EC nº 109, é necessário um sobre-esforço no sentido de reorganização geral – uma nova LRF ou 4.320/64 se impõe. Precisamos gastar menos e arrecadar mais contraciclicamente, e fazer ambos melhor. A eficiência dos dois lados potencializa os resultados.
Abertura econômica está intimamente relacionada a competitividade. O Brasil amarga o 59º lugar no ranking de competitividade da IMD World Competitiveness – 2022. Para uma economia que se situa como 12ª economia do planeta, o PIB do Brasil representa 1,7% do PIB mundial e apenas 1,3% de toda exportação do globo (base 2021). Temos um comércio internacional que representa 39% de nosso PIB, enquanto os emergentes ostentam 65,5% (ambos base 2021) e, na média mundial, 52% (base 2020). Esses dados, por si só, refletem nossa situação de penúria. Somos um país protecionista demais, com tarifas alfandegárias altíssimas se comparadas aos nossos pares, além de desrespeitos e falta de coordenação em acordos (pauta ambiental) e blocos regionais (Mercosul). Além da natureza restritiva de liberdade, o protecionismo acaba refletindo, no longo prazo, no anacronismo de todos os setores, no impedimento do crescimento da produtividade e da economia. Assim, o enfrentamento desse problema passa sobretudo pela abordagem do protecionismo, eliminando progressivamente (em plano estruturado e determinado) toda sorte de isenção fiscal, sobreposição de tarifas, redução de custos, etc. A discordância aqui, entre economistas e especialistas, é grande e sem fim. Contudo, como as demais políticas neste espaço discutidas, esta também deverá ser mais uma a estar contemplada em um plano de governo no qual a sociedade tenha votado para se implementar.
Os propósitos acima apresentados estão longe das definições e detalhamento de um Plano Econômico, porém configuram a essência do que se considera fundamental para compor as primeiras diretrizes de um novo governo verdadeiramente democrático e liberal. As ideias prometidas pelo atual governo esbarraram em questões diversas, mas que no seu nascedouro primavam, em boa parte, pelas perspectivas neste espaço abordado. O liberalismo idealizado confrontou-se, primeiro, com a falta de vontade política e, depois, com os mecanismos inadequados de exequibilidade. Por fim, pereceu sob a pecha de que não deu certo, muito antes de se ter sido implementado.
Assim, o detalhamento dos princípios fundamentais de um novo governo com o comprometimento das ações aqui apresentadas pressupõe foco, determinação, agilidade e alinhamento de todas as forças envolvidas. O fator tempo é crucial na implementação dessas medidas, não somente pela situação crítica a que estamos, mas também pela curta janela de tempo política para promover essas alterações.
Mario Serpa é economista e sócio da Redwood Asset Management.
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