César Bergo
José Fernando Cosentino Tavares
José Luiz Pagnussat
O Conselho Regional de Economia promoveu reunião do Grupo de Conjuntura no dia 21 abril de 2012, para debater a “Redução do Spread Bancário”.
Segundo o Banco Central, os spreads médios são a diferença entre as taxas das operações de crédito e os custos referenciais de captação, calculados a partir da taxa dos CDB – certificados de depósitos bancários, para as modalidades com prazo em torno de 30 dias, e das taxas dos contratos de swaps DI x Pré com prazos similares aos prazos médios das demais modalidades.
Em primeiro lugar, analisou-se a evolução do lucro dos bancos e do spread, para compreender nesse contexto as razões da iniciativa do governo de reduzir as taxas de juros cobradas pelas instituições públicas, e em particular a eficácia provável da medida como instrumento para motivar o setor bancário privado a reduzir sua margem. Em segundo lugar, o Grupo examinou a composição do spread e sua evolução, especulando-se sobre os fatores que o determinam, para além do percentual de lucro dos bancos, e que componentes poderiam ser minorados. Por fim, abordaram-se as consequências e os riscos da redução de taxas iniciada pelos bancos públicos.
Lucro e spread elevados dos bancos
A primeira questão colocada foi que o lucro dos bancos é excessivo e tem efeito distributivo que não pode ser ignorado, dado que essas instituições abocanham uma parcela crescente da renda nacional. Foi notado que o lucro dos cinco maiores bancos operando no Brasil aumentou 354% (ou 315%, se incluirmos no rol o Unibanco), entre 2003 e 2011, enquanto a inflação medida pelo IPCA foi de 55%. Considerando todo o sistema bancário, o crescimento do lucro no período foi de 250%. Por sua vez, para todo o sistema, o lucro dividido pelo patrimônio líquido, em 2011, foi de quase 16,5%, enquanto que, para os 5 maiores bancos, esse índice foi superior a 22%.
Outras dificuldades apontadas foram a grande concentração bancária e a tendência ao conluio no setor. Para lidar com essa questão, enfatizou-se o papel dos bancos públicos como lideres na determinação dos juros e, em consequência, do spread bancário.
Dados mostram ainda que o spread bancário no Brasil é um dos mais altos do mundo. Em fevereiro de 2011, em média, foi de 28,4%, tomando-se taxa média de captação de 9,7% e taxa de aplicação de 38,1%. Para a pessoa física o spread foi de 35,8%, considerando a taxa de aplicação de 45,4%, e para a pessoa jurídica foi de 28,6%. Esses dados, divulgados pelo Banco Central (27.3.2012), em Nota mensal para a Imprensa sobre política monetária, registram crescimento do spread bancário no período recente, revelando que os cortes da taxa Selic, nas últimas reuniões do Comitê de Política Monetária, se transformaram em aumento das margens dos bancos, tanto para a pessoa física, como para a pessoa jurídica. Em janeiro e fevereiro de 2012, os bancos ampliaram-no ainda mais. O aumento foi resultado combinado da queda da taxa de captação, seguindo a Selic, com a elevação dos juros cobrados nas aplicações.
No longo prazo, entretanto, a tendência foi de pequeno recuo do spread, em especial na composição das taxas médias cobradas da pessoa física.
A análise dos dados divulgados pelo Banco Central, para o período de 2004 a 2012, mostrou que o spread bancário consolidado mantém-se elevado e chama atenção o fato de oscilar muito, entre o mínimo de 22,3% ao ano, no final de 2007 – depois de 17 rodadas de queda da Selic e duas sem alteração –, e o máximo de 30,7% em fevereiro de 2009, já sob o impacto da crise financeira internacional, não obstante estar em vigor a menor taxa Selic nominal desde que se adotou o regime de metas de inflação.
Nesse período o spread bancário – pessoa jurídica apresentou duas fases: antes da crise econômica, situava-se em torno de 13% a.a., e com a crise, seguida da adoção de medidas macro-prudenciais, elevou-se para 18%, em média.
Enquanto isso, o spread – pessoa física teve média próxima a 40% ao ano e exibiu no período tendência declinante mais acentuada em relação ao pico da crise externa, mas essa tendência se reverteu fortemente desde o final de 2010.
Algumas hipóteses foram aventadas na reunião para explicar esse movimento recente. Primeiro, observou-se que o spread acompanhou a alta da inadimplência e do volume de cheques devolvidos, crescentes em todas as regiões do país. Nesse contexto, uma preocupação manifesta foi a progressão do endividamento da população brasileira, que dobrou nos últimos 10 anos. O crédito em proporção do PIB passou de 24,6%, em 2004, para 49,1% em 2011. A nova classe média teve uma participação importante nesse processo, e muitas famílias foram estimuladas a comprar a prazo sem um planejamento financeiro adequado. Essas estatísticas reforçam a preocupação com o risco da retomada do endividamento das famílias, que o governo quer promover para assegurar taxa expressiva de expansão da atividade econômica.
Foi lembrado que o grau de endividamento da população brasileira é ainda pequeno em comparação com os países emergentes da Ásia (China, Coreia do Sul, Malásia, Tailândia e Índia), em que o crédito em proporção do PIB é de 112,4%, e dos 12 principais países desenvolvidos, onde o crédito em proporção do PIB é de 136,8%. O problema no Brasil é que, mesmo com esse endividamento menor, o comprometimento da renda das famílias e empresas se torna elevado em razão dos juros altos.
Nesse primeiro bloco de análise, a conclusão foi sobre a adequação da decisão do governo de baixar os juros dos bancos públicos como instrumento de indução à queda dos juros dos bancos privados. Ponderou-se sobre as possíveis razões de o governo não ter adotado essa medida há mais tempo. Várias hipóteses foram consideradas: (a) de o governo ter cedido às pressões da Federação Brasileira dos Bancos; (b) dos riscos inflacionários derivados de uma pressão adicional da demanda; e (c) a “oportunidade” representada pelo desaquecimento atual da demanda, acompanhada da redução acentuada do crescimento, no último trimestre de 2011 e primeiro trimestre de 2012. Isso se deveu, em parte, ao efeito retardado das medidas adotadas para conter a demanda e trazer a inflação para o limite da meta em 2011. A consequência foi a desaceleração do crescimento para um patamar inferior ao PIB potencial. Avaliou-se que a redução da taxa Selic, nas últimas reuniões do Copom, tem efeito gradativo na retomada da demanda, justificando, portanto, a intervenção direta das autoridades econômicas nas taxas de juros praticadas no varejo. Considerou-se ainda a hipótese da oportunidade política para a ação do governo, dado que é um ano eleitoral.
Composição do Spread Bancário
No segundo bloco de análise, foi vista a composição do spread e sua evolução. O Banco Central divulga os dados do spread bancário desdobrado segundo a contribuição de cada componente: custo administrativo; inadimplência; compulsório, subsídio cruzado, encargos fiscais e FGC (Fundo Garantidor de Crédito); impostos indiretos; além da margem bruta e liquida do spread.
No período de 2004 a 2010 houve decréscimo significativo da participação do custo administrativo no total, de 20,4% para 12,6%. A queda foi acentuada tanto nos bancos públicos (de 23,5% para 15,3%) como nos bancos privados (de 19,7% para 10,8%). A conclusão é que há pouco espaço para maior redução desse componente, dado que os bancos já adotaram, nos últimos anos, inúmeras medidas para otimização de sua capacidade organizacional, inclusive com a implementação de modelos de estruturas compartilhadas como ocorre, por exemplo, na rede de correspondentes bancários (Banco Postal) e nas empresas Cielo e Redecard – na área de cartões de crédito – e TecBan, dona do Banco 24 horas.
A inadimplência tem grande participação na composição do spread, variando no período entre 24,3% e 30,6%. Sua redução depende de ações estruturantes e conjunturais, que devem incluir a capacitação em planejamento financeiro da população e uma mudança no atendimento dos bancos, com o fortalecimento das ações de consultoria financeira dos bancos.
Houve redução, de 9,4% para 4,1%, no período, no componente do spread bancário que inclui compulsório, subsídio cruzado, encargos fiscais e FGC.
Os impostos indiretos tiveram aumento significativo na sua participação, passando de 15,6% para 21,9%, refletindo o aumento do IOF no período. Apesar de não haver consenso entre os economistas sobre a tributação nas operações de crédito, certamente não é uma hipótese plausível, para o momento, a desoneração de impostos como meio de diminuir o spread bancário. Alguns economistas defendem, inclusive, maior tributação, aplicada seletivamente.
A margem líquida do spread bancário se manteve elevada, e oscilou, no período, entre 29,6% e 34,7%. Visivelmente há um largo espaço de redução, que pode ser obtido com a ação concorrencial dos bancos públicos. Uma preocupação levantada pelo Grupo foi com a possibilidade de os bancos recomporem seus lucros, adiante, pelo aumento das tarifas dos serviços.
Nos últimos anos houve um esforço significativo no sentido da regulação e da ampliação da concorrência entre os bancos, incluindo as comparações entre preços cobrados pelas diversas instituições, dentre outras medidas. Entretanto, o que se observa é que, apesar disso, os bancos mantêm tarifas elevadas e há um alto grau de desconhecimento da população sobre o quanto efetivamente paga pelos serviços. A portabilidade tem se mostrado ineficiente para conter as tarifas elevadas. Há custos de transferência e, dada a pulverização de tarifas, dificuldade de avaliação das reais vantagens da migração de um banco para outro, além do conluio informal, propiciado pela enorme concentração do sistema bancário no Brasil.
O Grupo reiterou a necessidade de se ter um sistema bancário sólido e lucrativo. O setor financeiro é um dos alicerces da economia. A crise recente realçou o seu papel, mas também revelou o valor da boa regulação do setor.
Foram destacadas, sem esgotar a análise, medidas que poderiam contribuir para que o spread bancário caia, entre elas algumas já defendidas pela Fiesp/Ciesp: o cadastro positivo; e a redução do compulsório sobre depósitos à vista.
Efetividade da ação do governo
No terceiro bloco de análise surgiram algumas questões fundamentais. Primeiro, sobre o interesse dos grandes bancos privados nacionais e estrangeiros de atuar no varejo. A entrada no mercado de bancos estrangeiros, com financiamento externo de suas matrizes, poderia, em tese, forçar a concorrência e a baixa dos juros cobrados nos empréstimos.
As elevadas taxas de juros médias aplicadas no crédito ao consumidor indicam o desinteresse da maioria dos bancos por esse segmento. Pode-se dizer que não é o seu negócio, com a aparente exceção e possível atuação marginal do Santander e do Itaú. A questão que se coloca, para continuação do exame do tema, é se o movimento declinante dos juros dos empréstimos não pode acabar impactando seriamente a lucratividade dos bancos públicos e, por outro lado, se há de fato espaço para a conquista de novos clientes. Um elemento adicional, para consideração, é em que medida os bancos privados não se limitarão a fazer apenas uma “encenação”, baixando os juros de forma seletiva e com resultado insignificante para o conjunto dos tomadores e para a expansão da demanda.
Em síntese, o debate no Grupo de Conjuntura do Corecon-DF foi instigante e esclarecedor, sem esgotar o tema, e permitiu que este texto fosse disponibilizado e colocado em debate. Fica o convite para todos os economistas, a partir disso, participarem do fórum do Conselho e emitirem suas opiniões sobre o tema da redução do spread bancário.
Brasília, 21 de abril de 2012