JOSÉ LUIS OREIRO
A edição do jornal O Estado de São Paulo de 30 de abril de 2023 apresenta uma matéria muito interessante intitulada “Economia brasileira perde relevância e tem a menor participação no PIB global em mais de 40 anos” (Ver: https://www.estadao.com.br/economia/economia-brasileira-perde-relevancia-e-tem-a-menor-participacao-no-pib-global-em-mais-de-40-anos/) na qual se apresentam dados que mostram a perda de relevância da economia Brasileira no cenário mundial nos últimos 40 anos. Segundo a matéria, que ser baseia em dados do FMI, a economia brasileira passou de cerca de 4% do PIB mundial em 1980, para cerca de 2,3% do PIB mundial ao final de 2023, uma queda de 42,5% na participação do Brasil na economia mundial num período de 43 anos.
Essa perda de relevância da economia brasileira no mundo no período 1980-2023 decorreu da forte desaceleração do crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos. Com efeito, como observamos na figura abaixo, que apresenta a média móvel decenal do crescimento do PIB per-capita brasileiro entre 1930 e 2017, no período de 1930 a 1977 a economia brasileira apresentou uma aceleração do crescimento do PIB per-capita, o qual apresentou atingiu o pico de quase 7% a.a na média móvel decenal em 1977, valor suficiente para duplicar o PIB per-capita do Brasil a cada dez anos.
Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.
Essa aceleração do crescimento da economia brasileira ocorreu simultaneamente com o aumento da participação da indústria de transformação no PIB, a qual passou de 15% em 1947 para quase 22% em 1975, conforme figura abaixo extraída de Marconi e Rocha (2011). Desde então, a economia brasileira vem presenciando um processo de desindustrialização precoce ou prematura, a qual está claramente relacionada com a perda de dinamismo da economia brasileira nos últimos 40 anos.
Fonte: Marconi e Rocha (2011)
No período 1995-2020 a desindustrialização da economia brasileira se acentua, conforme figura abaixo construída a partir de dados do Banco Mundial, com a participação da indústria de transformação no PIB alcançando pouco mais de 10% em 2020.
Fonte: Banco Mundial
Esses dados mostram que a estagnação da economia brasileira está associada com a perda de importância da indústria de transformação no PIB, ou seja, com a desindustrialização. Alguns economistas acreditam que a desindustrialização seria um fenômeno universal e que, dessa forma, não seria o fator responsável pela perda de dinamismo da economia brasileira. De fato, existe uma desindustrialização que podemos classificar como “natural” resultante da combinação da diversificação da pauta de consumo com o aumento da participação dos serviços com o aumento da renda per-capita (Lei de Engel) e do crescimento mais acelerado da produtividade do trabalho na indústria relativamente aos demais setores de atividade econômica. Essa combinação de fatores explica porque a partir de um certo patamar de renda per-capita a participação do emprego industrial no emprego total e do valor adicionado na indústria no PIB começam a declinar. Essa desindustrialização natural, contudo, é um fenômeno de economias maduras nas quais a mão-de-obra foi totalmente transferida do setor de subsistência para o setor moderno, de maneira que os diferenciais de produtividade entre os setores de atividade econômica são relativamente pequenos. Nesse caso, a economia atinge um estado de maturidade (Kaldor, 1967) no qual o crescimento do PIB per-capita depende mais do avanço da fronteira tecnológica e do aumento do nível geral de produtividade do que da transformação da estrutura de emprego e produção permitida pela industrialização. Está claro que esse não é o caso do Brasil. A desindustrialização no Brasil tem início, no entanto, sem que a economia brasileira tivesse conseguido ultrapassar o “ponto de Lewis”, ou seja, com um percentual expressivo da força de trabalho alocada em atividades precárias ou de subsistência conforme podemos observar no quadro abaixo.
Source: Oreiro et al (2023).
Nesse contexto, tentar superar a perda de dinamismo por intermédio de um aumento massivo dos gastos com educação, como defendem alguns economistas, irá apenas atuar no sentido de aumentar a qualificação da mão-de-obra desempregada ou subempregada. Ros (2013), com base numa amostra de 87 países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que o nível educacional – medido pelo número de anos de estudo da força de trabalho com mais de 25 anos – e a participação do emprego industrial no emprego total possuem uma correlação alta (0,65) de maneira que podemos considerar as duas variáveis como complementares. Isso significa que para que seja possível um aumento do nível educacional da força de trabalho é necessário aumentar a participação do emprego industrial no emprego total, até porque as empresas que demandam uma mão-de-obra mais educada e qualificada são, em sua maioria, empresas do setor industrial ou empresas do setor de serviços que atendem as demandas do setor industrial.
Fonte: Ros (2013, p. 22)
Não é de admirar, portanto, o desinteresse cada vez maior de parte da sociedade brasileira pela formação universitária: um país que, nos últimos 40 anos, se tornou um grande fazendão pariu uma sociedade na qual uma parcela expressiva de cidadãos acha que os gastos do Estado Brasileiro com ensino superior e com ciência e tecnologia não passam de “boquinha” e “mamata” para “vagabundos”, “maconheiros” e “comunistas’.
A grande mídia, nos últimos 40 anos, criou bordões como “o agro é pop”, o “agro é tudo”. Constantemente somos bombardeados por propaganda subliminar que tenta convencer a sociedade brasileira que o agronegócio é uma máquina de prosperidade e de que a economia brasileira precisa desse setor para (sic) se desenvolver. Na verdade, contudo, a desaceleração do crescimento da economia brasileira coincidiu com a perda de importância das exportações de manufaturados nas exportações totais, ou seja, com a reprimarização da pauta de exportações, como podemos visualizar na figura abaixo:
Fonte: Banco Mundial.
O agronegócio está bem longe de ser uma máquina de desenvolvimento como quer fazer parecer a grande mídia. Conforme dados apresentados na Tabela abaixo extraída do blog Valor Adicionado, a agropecuária é o setor que apresentou em 2020 a menor remuneração mensal do trabalho entre todos os setores de atividade econômica, menor inclusive do que a construção civil, cerca de 47% da remuneração paga na indústria de transformação e apenas 53% da remuneração média do trabalho no Brasil. Definitivamente o “agro não é pop”.
Em suma, para que o Brasil possa retomar o desenvolvimento econômico e voltar a ser um país economicamente relevante no mundo é necessário que a economia brasileira passe por um processo de reindustrialização. A evidência empírica recente parece apontar também para a existência de uma relação positiva entre industrialização e democracia (https://preprints.apsanet.org/engage/api-gateway/apsa/assets/orp/resource/item/61bbcb3e02c2146464287888/original/industrialization-and-democracy.pdf), de tal maneira que a preservação do Estado Democrático de Direito no Brasil só estará garantida pela volta da indústria como motor de desenvolvimento da economia brasileira. Fora da indústria não há salvação nem esperança para o Brasil.
Referências
Kaldor, N. (1967). Strategic Factors in Economic Development. New york State school of industrial and labor relations, Cornell University, Ithaca.
Marconi, N; Rocha, M. (2011). “Desindustrialização Precoce e Sobrevalorização da Taxa de Câmbio”. Texto para Discussão 1681, IPEA-DF.
OREIRO, J. L. C.; GABRIEL, L. F. ; DAMATO, S. ; SILVA, K. M. (2023). “LABOUR MARKET REFORMS IN BRAZIL (2017-2021): AN ANALYSIS OF THE EFFECTS OF RECENT FLEXIBILIZATION ON LABOR MARKET LEGISLATION”. Panoeconomicus, no prelo.
Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, Growth and Institutions. Oxford University Press: Oxford.
Ótimo texto Professor Oreiro. Sem dúvida o agro não será o salvador da economia brasileira. Hoje li uma reportagem sobre o futuro presidente da CNI, Ricardo Alban, na qual falava na necessidade do investimento para o desenvolvimento da indústria segue trecho da fala:
“Há uma percepção de atualização. O fato de mudarmos de discurso, de reindustrialização para neoindustrialização, nos motiva mais ainda. Ao olhar para a frente, não podemos falar que é simplesmente uma reindustrialização. O Brasil já foi mais industrializado, mas ainda é, com nichos de indústria de ponta. Mas no todo, temos de repensar onde precisamos recuperar, estimular e até mesmo apoiar necessidades em setores que precisam ter novas vantagens competitivas ou mitigar desvantagens”,
Informações relevantes, Professor. Obrigado pela pesquisa e por compartilhar. Abs a todos