As projeções de melhora nessas áreas levam em conta não apenas questões de envelhecimento da população e altos níveis de educação, mas também o fato de a capital federal concentrar a maior renda domiciliar per capita do país
A recuperação do crescimento do Distrito Federal, além de levar otimismo para o mercado, abre caminho para novas tendências da economia. Para além de setores consolidados, como construção civil ou agropecuária, o mercado produtivo no DF deve crescer com atividades nas áreas de inovação, tecnologia, economia criativa e saúde ao longo dos próximos anos. As projeções de melhora nessas áreas levam em conta não apenas questões de envelhecimento da população e altos níveis de educação — a Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, é a oitava melhor instituição de ensino superior do Brasil —, mas também o fato de a capital federal concentrar a maior renda domiciliar per capita do país.
Especialistas apostam na expansão de setores considerados pontos fortes do DF. Presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon/DF), o professor César Bergo vê potencial no agronegócio e na indústria tecnológica. Espaços como o Parque Tecnológico de Brasília (BioTIC) podem auxiliar nesse sentido, segundo ele. No entanto, o atendimento à demanda e a retenção de pessoal capacitado ainda necessitam de atenção. “A mão de obra em Brasília é qualificada. Se houver demanda e empresários para investir, estaremos preparados. Mas temos de ter a visão de que ainda não existe um polo que atraia essas pessoas”, destaca Bergo.
O economista também cita a posição geográfica do DF em relação ao restante do país e o fato de Brasília concentrar embaixadas como fatores que dão propulsão para a aviação civil e o turismo. Diante de uma população que envelhece e tende a passar de 3,24 milhões em 2025, segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), a busca por serviços complementares na área de saúde também tende a subir. “Essa área é prioritária. Nos próximos anos, acho que a cidade também demandará negócios nos ramos de lazer, gastronomia. É preciso lembrar o perfil da população. Aposentados com alto poder aquisitivo vão demandar serviços”, sugere César.
Empreitada
Focada no setor audiovisual e investindo no cinema como arte e instrumento de diálogo com outras áreas da economia criativa, Ana Arruda, 36 anos, fundou, em 2005, a Sétima Produções. Sete anos depois, surgiu o Festival Curta Brasília, um dos carros-chefes da firma, sediada na Asa Norte. A mostra alcançou não apenas trabalhos de outras unidades federativas, como também internacionais.
A vocação artística da capital federal é um dos fatores que contribuem para o sucesso de empreitadas nesse setor, segundo Ana. “O que vejo é que essa sombra do funcionalismo público às vezes intimida pessoas criativas para a área do empreendedorismo. Mas, se elas abrirem os olhos para o que está acontecendo no mundo e aplicarem conceitos inovadores nas próprias empresas, teremos uma crescente muito boa”, considera.
No sentido de evitar a evasão de talentos, a empresária cobra incentivos públicos e privados para o setor criativo. “Um dos problemas mais graves das políticas públicas no Brasil é a falta de planejamento e manutenção, o foco, na inauguração e no marketing da ação, não na manutenção (das iniciativas e espaços). Isso é uma coisa simples de ser diagnosticada e que precisa acontecer, pois temos tido retrocessos orçamentários e produtivos de quatro em quatro anos”, alerta Ana.
Reação
O secretário de Desenvolvimento Econômico, Ruy Coutinho, acredita que o Distrito Federal acompanhará as tendências globais quanto ao desenvolvimento do setor de alta tecnologia, especialmente diante das restrições para a instalação de indústrias de grande porte na unidade federativa. Ele ressalta que políticas de segurança jurídica e econômica contribuem para atrair investimentos. “Acho que vamos assistir a uma mudança na matriz econômica do DF. Ela vinha muito apoiada em governo (administração pública) e na construção civil, sendo que o primeiro vem decaindo”, observa.
Coutinho acrescenta que a expectativa de melhora na construção civil depende de uma reação consolidada da economia distrital. Apesar da recuperação desse ramo nos últimos três meses, ele confia em um crescimento só após a retomada do poder de compra da população. “Se você não tem uma economia reagindo, criando emprego em setores que estão se desenvolvendo, não tem renda para um desenvolvimento de mercado de maneira operante”, analisa. “A população ficou escaldada com uma série de crises. Ela ainda não tem recursos para sair gastando, consumindo”, completa o secretário.
Por outro lado, o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon/DF), Dionyzio Klavdianos, afirma que há otimismo no setor para os próximos anos. Ele conta com a manutenção dos hábitos de consumo devido ao poder aquisitivo dos brasilienses, independentemente do enxugamento da máquina pública. “É importante nosso setor ter um estudo específico para o (futuro do) DF. O quadro é positivo por uma série de razões. (Brasília) Tem a marca de ser a cidade do funcionalismo público, então, continuará uma cidade atrativa (para o ramo da construção)”, comenta.
Palavra de especialista
O Distrito Federal é praticamente comércio e serviços. Não há uma indústria consolidada, à exceção da indústria de tecnologia, que é relativamente forte. Claro que o segmento de atuação é importante, mas também é preciso se dedicar àquilo que se escolheu e fazer com que aconteça. Não adianta entrar em um segmento só porque ele está em ascendência.
Primeiramente, você deve saber se terá tempo para se dedicar àquilo que está se propondo. É necessário estudar o mercado, saber qual é a demanda, estudar quem é o público-alvo. Se você vai atender aquele público, deve escolher o local ideal, ferramentas de marketing para poder vender e não ter preguiça. Há, ainda, a parte da oferta: quem são seus concorrentes; o que estão fazendo de certo e errado; o que é preciso fazer melhor que eles?
O DF pode ser referência na área de tecnologia e informação, e é possível usar esse segmento para alcançar outros. Claro que temos tendências, mas o mais importante é, quando for empreender, focar 100% no negócio. Estudar, aprender, participar de fóruns ligados àquele assunto e, se for o caso, buscar quem faça um estudo de mercado. Mais do que saber o setor, é preciso ter aptidão para fazer aquilo funcionar. O tripé do sucesso é: marketing, operação e finanças. Não adianta ter um bom e os outros não.
Os censos da Indústria Brasileira de Jogos Digitais de 2014 e 2018 mostraram que o Distrito Federal subiu uma posição no ranking que analisa a distribuição geográfica das empresas desenvolvedoras desses produtos. Do total de 375 firmas contabilizadas no segundo levantamento, 22 tem sede no DF. A quantidade colocou a unidade federativa em sexto lugar entre as 22 consideradas. Em 2014, de um universo de 148 empresas, só sete ficavam na capital federal.
Motivado pela vontade de trabalhar na área, apesar da formação em ciências contábeis, o produtor de games Saulo Camarotti, 33 anos, resolveu iniciar um negócio com esse foco, em Brasília. A empreitada resultou na criação da Behold Studios em 2009. De lá para cá, o portfólio da firma chegou a 16 jogos, distribuídos para mais de 150 países. A equipe de 10 pessoas atua em um espaço de coworking — sistema de trabalho em local compartilhado —, no Lago Norte, mas o estúdio conta com filiais nos Estados Unidos e no Canadá.
A ideia de manter a sede no DF, apesar de enfrentar dificuldades pela falta de incentivos, tem a ver com a atmosfera da capital do país. “O governo retraiu muito em relação a editais, oportunidades de negócios e parcerias. Mas aqui (Brasília) é um lugar que desponta em relação ao resto do país por ter uma ‘vibe’ muito moderna, jovem. Vemos inovação surgindo”, observa o produtor. “Percebemos que o jogo está deixando de ser brinquedo e se tornando mídia cultural. Isso muda bastante a indústria”, completa.
Incubadoras
Com evidência na busca por fomento, empresas recém-criadas e em fase de desenvolvimento, as startups, despontam no mercado brasiliense com modelos de negócios variados, em especial nas áreas de educação, agropecuária e finanças. Desde 2012, quando passou a ser contabilizado pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups), o número de firmas desse tipo subiu de 29 para 204 (aumento de 603%). Entre as 12.732 mapeadas no Brasil, o DF fica em nono lugar.
Em 2010, Cristiane Pereira, 45; Alexandre Nasiasene, 50; e Crislene Santos, 40, tornaram-se sócios. O que eles iniciaram naquele ano como um espaço de coworking se transformou, com o tempo, em uma incubadora. Por meio do Espaço Multiplicidade, no Guará, o grupo oferece serviços variados de capacitação e fomento para novos negócios. “Nosso principal objetivo é fazer com que a empresa saia dessa incubação. A gente ajuda, sob o ponto de vista da gestão, com consultoria, mentoria e apoio, para que o projeto deslanche”, explica Cristiane.
Novidades
O local atende oito empresas, que atuam no escritório colaborativo durante uma média de oito meses. Depois, elas podem seguir direto para o mercado ou para aceleradoras — outra etapa no modelo de apoio a novos negócios. Em Brasília, Cristiane vê esforço para a oferta de novidades tanto por parte de startups quanto de micro e pequenas empresas. “Muita gente ainda tem aquela ideia de que jovens só pensam em concurso público, mas isso tem mudado um pouco”, diz.
A empresária lembra, ainda, que assuntos voltados ao empreendedorismo têm feito parte da formação no ensino superior. “Demanda de mercado, inovação, tecnologia, profissões do futuro, indústria 4.0: a cidade tem recebido todos esses temas em vários eventos que saem do eixo Rio–São Paulo. Nesse contexto, faz parte da vocação da capital federal essa história ligada à indústria da tecnologia e de todo tipo de inteligência nessas áreas”, ressalta Cristiane.
Em alta
Empresas desenvolvedoras de jogos digitais
Ano Brasil DF
2014 148 7 (7º lugar)
2018 375 22 (6º lugar)
Fonte: Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais