Amante do Rio, intelectual foi reitor da UFRJ, presidente do BNDES e dono de casa de show.
O economista Carlos Lessa morreu nesta sexta-feira, aos 83 anos, no Hospital Copa Star, onde estava internado por causa de uma pneumonia em decorrência do novo coronavírus. A informação foi confirmada pelo filho Rodrigo Lessa, que publicou a notícia do falecimento do pai numa rede social, e pelo hospital, que não divulgou mais detalhes. Ele deixa três filhos e netos.
“Meu amado pai foi hoje às 5h da manhã descansar. A tristeza é enorme. Seu último ano de vida foi de muito sofrimento e provação. O legado que ele deixou não foi pequeno. Foi um exemplo de amor incondicional pelo Brasil, coerência e honestidade intelectual, espírito público, um professor como poucos e uma alma generosa que sempre ajudou a todos que podia quando estava a seu alcance, um grande amigo . Que descanse em paz. Aos que tem afeição por ele, comunicaremos uma cerimônia virtual em função da pandemia”.
Confira: Frases do economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES e reitor da UFRJ
Pesquisador apaixonado pelo Rio, desenvolvimentista, político, amante da cultura popular e empresário, o economista Carlos Lessa misturava cultura e economia, arte popular e educação.
Como professor, função que exerceu praticamente por toda a vida intercalando com passagens por cargos públicos, elegeu-se em 2002 reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se formara em Ciências Econômicas em 1959. Obteve resultado consagrador, 85% dos votos dos 13.453 eleitores, entre professores, funcionários e alunos.
Apesar de apenas seis meses no cargo, deixou uma herança cultural. Criou o bloco Minerva Assanhada, nome escolhido por ele por ser a deusa da sabedoria o símbolo da UFRJ:
— A UFRJ é um celeiro de talentos, mas a cidade nem percebe que ela existe. Eu pensei: como a universidade pode se mostrar à cidade? No seu melhor momento que é o carnaval.
Depois de assumir o BNDES, no governo Lula, em 2004 brincava:
— Este é único bloco que tem com patrono um banqueiro que não é do jogo de bicho.
Carlos Lessa no jardim do Museu da República, no Catete Foto: Hudson Pontes em 27/08/2013 / Agência o Globo
Nascido no Rio em 1936, dedicou-se ao estudo da cidade e à sua revitalização, restaurando mais de 11 prédios antigos no Centro, como a Brasserie Rosário, que fechou em 2018, e no Catete, onde ficava o Casarão Ameno Resedá, de shows, o que lhe deu oportunidade de conhecer o bairro e seu povo. Escreveu um dos livros mais profundos de análise do auge e queda da Cidade Maravilhosa. “O Rio tem quilômetros de crônicas, mas pouca reflexão, análise”, disse em entrevista ao GLOBO, no fim do ano 2000, ao lançar o livro “O Rio de todos os Brasis”.
No BNDES, chegou como o economista que iria mudar os rumos do banco, que tinha assumido o processo de privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso. A sugestão do seu nome para o cargo veio da economista Maria da Conceição Tavares, sua amiga pessoal e vizinha, e pelo senador Aloizio Mercadante. Na posse, uma das mais concorridas do banco, Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares e Saturnino Braga estavam na plateia:
— Para nós três, essa solenidade representa a glória — dissera Conceição, ao lembrar que ela, Saturnino e Furtado ingressaram no banco nos anos 1950.
Lessa aumentou em 25% o desembolso do banco, mas não conseguiu sobreviver aos embates com o ministro da Indústria da época, Luiz Fernando Furlan, e com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Já na posse, daria o tom do que seria sua estratégia à frente do banco:
—Durante dez anos, a modernização contratava consultorias, que batiam o martelinho (nas privatizações). Isso não é desenvolvimento, é compra e venda. O Brasil cresceu nos últimos dez anos? Gerou empregos? Têm 12 milhões de desempregados. Política de privatização é retirar o D do BNDES.
Mais de 15 anos depois, o banco volta ao papel de antes de coordenar as privatizações, no governo de Jair Bolsonaro.
A saída do banco em 2004 teve até manifestação na rua em sua defesa. Além de não reconhecer a autoridade do ministro Furlan como seu interlocutor, deu uma entrevista em que afirmou que a gestão de Meirelles “era um pesadelo” e que o banco “emitia todos os sinais de que crescer nesse momento é um pecado”.
Com a subida do dólar em 2002, o governo Lula começou com aumento forte nos juros, indo a mais de 17% ao ano, contraindo a demanda interna para corrigir a crise no balanço de pagamentos (nossa conta com o resto do mundo).
Como político, foi ligado ao PMDB de Ulisses Guimarães e participou da elaboração do programa do partido “Esperança e mudança”, em 1982, com uma série de políticas públicas desenvolvimentistas voltadas para um Brasil pós-ditadura.
Em 2006, coordenou a elaboração de um programa “trabalhista, populista e nacionalista” para a frustrada candidatura do ex-governador Anthony Garotinho, então no PMDB, à Presidência.
Também chegou a aceitar convite que o ex-presidente Michel Temer fez a ele em 2007 para fazer um programa trabalhista, populista e nacionalista, mas acabou desistindo e se filiando ao PSB, afirmando depois de 40 anos de militância. “Acho que todo brasileiro atesta com tristeza que o PMDB dono do coração de Ulisses Guimarães, de Teotônio Vilela, de Tancredo Neves não existe mais. Ao contrário, existem pessoas que tomaram o coração do PMDB”.
Lessa chegou a lançar candidatura a prefeito nas eleições municipais de 2008 pelo PSB, mas desistiu e apoiou o candidato Marcelo Crivella. Na tentativa de Crivella ao governo do Rio, em 2014, o economista redigiu o programa de governo do atual prefeito.
“Convenci-me, e penso assim até hoje, que uma sociedade que deixa uma parcela enorme de sua gente nessas condições e lava as mãos, tem uma elite de má, de péssima qualidade”