JOSÉ LUIS OREIRO
Recentemente um economista do mercado financeiro, mas com um perfil mais “keynesiano”, afirmou que o aumento real do salário mínimo no período 2003-2013 só foi possível devido, não a uma alegada melhoria dos termos de troca da economia brasileira, mas ao comportamento benigno dos preços dos bens duráveis após a entrada da China no cenário global. Esse evento teria gerado uma grande deflação dos preços dos bens manufaturados, abrindo assim espaço no IPCA para o aumento do salário mínimo.
Tenho dois pontos de divergência com respeito a essa análise. Em primeiro lugar, a deflação dos preços dos bens manufaturados só foi possível graças a brutal apreciação da taxa nominal e real de câmbio no Brasil no período 2004-2007. Esse movimento da taxa de câmbio – alimentado pelo enorme diferencial entre a taxa de juros doméstica (Selic) e as taxas de juros praticadas nos países desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos – permitiu que em 2006 a inflação medida pelo IPCA ficasse próxima de 3% (o menor patamar desde 1998). Essa apreciação do câmbio – insustentável no longo prazo – permitiu um aumento real de todo o espectro de salários no Brasil. Mas, citando o Vice-Presidente Marco Maciel, o problema com as consequências de uma ação ou decisão é que elas vem depois. O preço dessa enorme sobrevalorização cambial foi um movimento de forte desindustrialização da economia brasileira a partir de 2005, o que destruiu postos de trabalho de boa qualidade, os quais foram substituídos por postos de trabalho no setor de serviços de baixa intensidade tecnológica. Como os salários no setor industrial são mais altos do que no setor de serviços de baixa tecnologia, a redução da qualidade do emprego (efeito composição) atuou no sentido de reduzir, inicialmente, o ritmo de crescimento do salário real médio da economia brasileira – o que se observa pela redução da distância entre o salário médio e o salário mínimo – e posteriormente a crise de 2014-2016 atuou na redução do nível do salário real médio pago no Brasil.
Em segundo lugar, o salário mínimo pode ter um reajuste real sem que isso necessariamente desencadeie pressões inflacionárias. Para tanto, o próximo governo não poderá voltar a regra de reajuste de salário mínimo vigente nos governos Lula/Dilma, segundo a qual o salário mínimo do ano t era corrigido pela variação do INPC do ano t-1 e pelo crescimento real do PIB de t-2. Essa regra tem dois problemas graves. Em primeiro lugar, ela indexa os salários a inflação passada, contribuindo assim para aumentar o grau de inércia inflacionária, ou seja, tornando a inflação mais resistente a queda por intermédio de aumentos da taxa de juros. O resultado disso é que o BCB, com base protocolo do Regime de Metas de Inflação – terá que adotar uma dosagem maior de aperto monetário – leia se aumento da taxa Selic – para conseguir obter a meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional. Em segundo lugar, ao reajustar o salário mínimo pelo crescimento do PIB real ao invés do crescimento do PIB per capita acaba se produzindo uma pressão inflacionária autônoma derivada do crescimento do salário mínimo acima da próxi mais geral de crescimento da produtividade. A consequência disso foi uma aceleração da inflação no setor de serviços (não-transacionável) e queda das margens de lucro das empresas do setor manufatureiro (transacionável), devido a incapacidade dessas firmas de repassarem o aumento dos custos salariais para os preços num contexto de elevada competição externa devido a globalização e de sobrevalorização da taxa de câmbio. Essa queda da lucratividade do setor manufatureiro levou a uma redução dos investimentos na compra de máquinas e equipamentos, contribuindo assim para um aumento da defasagem tecnológica da indústria brasileira, fator esse que reduziu a sua competitividade extra preço, aprofundando assim o processo de desindustrialização.
Nesse contexto, minha sugestão para o próximo governo é criar uma nova regra de reajuste do salário mínimo a partir de 2024, na qual o salário mínimo será reajustado pelo centro da meta de inflação (a qual poderá ser alterada no próximo governo pelo Conselho Monetário Nacional para patamares mais realistas) acrescido da média móvel de cinco anos do crescimento do PIB per capita entre t-2 e t-7. A adoção da média móvel se faz necessária para suavizar os efeitos que os ciclos econômicos tem sobre o crescimento do PIB per capita e, dessa forma, sobre a taxa de salario real.