JOSÉ LUIS OREIRO
Autor convidado pelo Corecon-DF.
Texto originalmente publicado em: https://bityli.com/YHIvk
É frequente ler-se em artigos de opinião na grande mídia que as diferenças de renda per-capita entre os países ricos e os países pobres se devem aos seguintes conjuntos de causas primárias ou imediatas, a saber: (i) diferenças entre as taxas de poupança; (ii) diferenças no estoque de capital humano e (iii) diferenças na eficiência com a qual os fatores de produção são empregados. As diferenças entre as causas imediatas são, por sua vez, explicadas por diferenças nas causas profundas [sobre os conceitos de causas imediatas e causas profundas do crescimento econômico ver Madisson, 1988], em geral identificadas com as instituições existentes nos países ricos (instituições inclusivas) e nos países pobres (instituições extrativistas), para usar a terminologia empregada por Acemoglu e Robinson (2012).
Sobre as diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita poderem ser explicadas a partir da má-alocação dos fatores de produção, já argumentamos neste espaço que se trata de uma teoria sem fundamentação empírica ou um conjunto de observações sem teoria capaz de lhes dar suporte (https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/03/10/a-misallocation-explica-o-desenvolvimento-desigual-algumas-consideracoes-a-partir-da-literatura-de-crescimento-e-desenvolvimento-economico/).
E o que podemos dizer sobre as diferenças entre as taxas de poupança e o estoque de capital humano? Será que as diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita podem ser explicadas pelas diferenças observadas nessas variáveis?
Antes de responder a essa pergunta temos que ter clareza da ordem de magnitude das diferenças internacionais nos níveis de renda per-capita. Ros (2013) a partir de uma amostra de 87 países, construída a partir de dados da Penn World Tables (PWT ou Henson Data Set) e World Development Indicators (WDI), agrupou os países da amostra em cinco categorias com base no nível de renda per-capita: países de renda alta, países de renda média alta, países de renda média, países de renda média baixa e países de renda baixa. Os valores para a renda per-capita são de 2008 medidos em termos da Paridade do Poder de Compra (dólares de 2005). A estratificação feita por Ros encontra-se listada abaixo.
- Grupo 1 Países de Renda Alta (PIB per-capita médio US$ 75.179): Noruega, Singapura, Estados Unidos, Bélgica, Países Baixos, Austrália, Áustria, Irlanda, Hong Kong, Suécia, Reino Unido, França, Itália, Finlândia, Canadá, Dinamarca, Suiça.
- Grupo 2 Países de Renda Média-Alta (PIB per-capita médio: US$ 38.104): Japão, Grécia, Israel, Espanha, Nova Zelândia, Coréia do Sul, Portugal, Turquia, Mexico, Irã, Chile, Malásia, Argentina, Costa Rica, Uruguai, República Dominicana, Botswana.
- Grupo 3 Países de Renda Média (PIB per-capita médio : US$ 17.003) Panamá, Venezuela, Mauritânia, África do Sul, Jamaica, Colômbia, Brasil, Tunísia, El Salvador, Peru, Egito, Equador, Jordânia, Namíbia, Tailândia, Síria.
- Grupo 4 Países de Renda Média-Baixa (PIB per-capita médio US$ 6.433): China, Honduras, Marrocos, Paraguai, Bolívia, Índia, Indonésia, Filipinas, Paquistão, Nigéria, Nicarágua, Zâmbia, Camarões, Congo, Mauritânia, Senegal, Mali, Costa do Marfim.
- Grupo 5 Países de Renda Baixa (PIB per-capita médio US$ 2.042): Gâmbia, Lesoto, Bangladesh, Gana, Benin, Quênia, Nepal, Tanzânia, Serra Leoa, Ruanda, Burquina Faso, Guiné, Madagascar, Moçambique, Malaia, Etiópia, Burundi, Zimbábue.
A partir da classificação acima podemos verificar, por exemplo, que a Coréia do Sul é um país de renda média alta ao passo que o Brasil é um país de renda média. Podemos verificar também que a diferença entre os países do grupo 1 e dos do grupo 5 é igual a 36.81; ou seja a renda per-capita dos países de renda alta é 36,81 vezes mais alta do que a renda per-capita dos países pobres. A diferença observada entre os países do grupo 2 (onde está a Coréia do Sul) e os países do grupo 3 (onde está o Brasil) é de 2.24 vezes.
Quais fatores podem explicar as magnitudes observadas na diferenças internacionais da renda per-capita? A teoria econômica dominante, ensinada nos centros de pós-graduação em economia nos Estados Unidos e em alguns centros de pós-graduação no Brasil, baseia-se no modelo de crescimento de Solow (1956) – construído sob as hipóteses de retornos constantes de escala e concorrência perfeita nos mercados de fatores, hipóteses que demandam que a tecnologia seja obrigatoriamente tratada como um bem público estando livremente disponível para todas as empresas de todos os países – expandido para incluir o capital humano como um fator de produção [ver Mankiw, Romer e Weill, 1992] explica as diferenças observadas nos níveis de renda per-capita como o resultado das diferenças entre os determinantes da renda per-capita de steady-state (y*), a saber: taxa de poupança (s), taxa de crescimento da população (n), taxa de depreciação do estoque de capital (delta), taxa de crescimento da produtividade total dos fatores de produção (ga) e o “investimento” em capital humano (h til). Mankiw, Romer e Weil (1992) consideram o % a população em idade de trabalho que está na escola secundária como uma próxi para o investimento em educação; ao passo que Ros (2013) considera o número de anos de escolaridade da população com mais de 25 anos.
O modelo usado por Ros (2013) para seus exercícios empíricos baseia-se na seguinte equação:
Em suma, diferenças na taxa de poupança/investimento e no estoque de capital humano explicam apenas em parte (pouco mais de 50%) das diferenças entre os níveis de renda per-capita entre os países de renda média alta, como a Coréia do Sul, e os países de renda média, como o Brasil. Os restantes 50% devem ser explicados por fatores de natureza estrutural como, por exemplo, a composição setorial da produção e do emprego entre esses grupos de países. Nos casos da Coréia e do Brasil certamente que a maior participação da indústria de transformação no PIB e no emprego na Coréia do Sul relativamente ao Brasil é um fator fundamental para explicar as diferenças observadas nos seus níveis de renda per-capita. Os interessados em se aprofundar no papel da industrialização na construção dos níveis elevados de desigualdade da distribuição de renda entre os países podem consultar Reinert (2016).
Referência
Acemoglu, D; Robinson, J. (2012). Por que as Nações Fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Campus: Rio de Janeiro.
Maddison, A. (1988). “Ultimate and Proximate Growth Causality: a critique to Mancur Olson on the Rise and Decline of Nations”. Scandinavian Economic History Review, N.2.
Mankiw, N.G.; Romer, D; Weil, D. (1992). “A Contribution to the Empirics of Economic Growth”. The Quarterly Journal of Economics, Vol. 107, N.2.
Reinert, E. (2016). Como os países ricos ficaram ricos … e por que os países pobres continuam pobres. Contraponto: Rio de Janeiro.
Ros, J. (2013). Rethinking Economic Development, growth, and institutions. Oxford University Press, New York., Chapter 1. 469p.
Solow, R. (1956). “A Contribution to the Theory of Economic Growth”. The Quarterly
Journal of Economics, Vol. 70, N.1.