CLÁUDIO JALORETTO
Corecon-DF nº 7364.
Antes da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, na virada do século, o Banco Central podia emitir títulos mobiliários para fins de execução da política monetária. A LRF proibiu essa emissão a partir de maio de 2002. A razão para essa proibição decorreu do fato de o relator da lei na Câmara dos Deputados pretender incluir a emissão de dívida mobiliária pelo Banco Central no Orçamento Federal, sob o argumento, errôneo, de que aquela Autarquia emitia dívida para financiar gastos fiscais os quais também não transitavam pelo Orçamento. Caso essa proposta prosperasse, implicaria na submissão da política monetária à política fiscal e à burocracia do orçamento; diante do impasse, a solução foi proibir o Banco Central de emitir títulos próprios.
Essa proibição levou a que a política monetária passasse a ser executada por intermédio das chamadas operações compromissadas, com lastro em títulos públicos federais e integrantes da carteira do Banco Central. O resultado foi o aumento do balanço do Banco Central pois o Tesouro Nacional passou a capitalizar a Autarquia via emissão de títulos, de modo a suprir aquele banco com o lastro de títulos públicos necessário para suas operações. De fato, a carteira de títulos do Banco Central passou de 14,4% do PIB em dezembro/2001 para 25,5% do PIB em abril/2021.
Nessa época, embora o Banco Central calculasse a Dívida Bruta, a principal variável de acompanhamento do endividamento público era a Dívida Líquida, a qual não foi afetada por essa mudança pois o passivo consolidado do Banco Central e do Tesouro Nacional, nela estava incluído. Posteriormente, por conta de um melhor acompanhamento das contas fiscais pelos agentes do mercado, aliado às incertezas quanto à qualidade dos resultados fiscais, a Dívida Bruta passou a ser uma das principais variáveis de acompanhamento do endividamento público.
O conceito de Dívida Bruta, então calculado, utilizava a metodologia definida pelo FMI e utilizada mundialmente e que considerava apenas o Setor Público não Financeiro, excluindo, portanto, as instituições financeiras e monetárias e, por consequência, não incluía o passivo do Banco Central. Obviamente, a carteira de títulos dos Bancos Centrais era incluída pois se trata de um passivo do Governo contra a Autoridade Monetária. Esse conceito chamo aqui de Conceito do FMI.
Em 2008, porém, o Banco Central mudou a metodologia e passou a utilizar um novo conceito, em que passou a ser excluída a carteira de títulos públicos da Autarquia e incluído o passivo representado pelas operações compromissadas. O argumento era de que esse conceito refletiria mais adequadamente a política fiscal ao considerar apenas a dívida pública mobiliária em mercado. Na prática, a alteração foi efetuada para reduzir, artificialmente, o total da Dívida Bruta, que passou de 61,4% do PIB em dezembro/2008 para 56,0% do PIB na mesma data, uma redução de 5,4 pontos percentuais do PIB pela mudança do critério. Em abril de 2021 essa diferença estava em 9,9 pontos percentuais do PIB.
Em 22 de junho deste ano, o Congresso Nacional aprovou o PL nº 3.877/2020, que aguarda sanção Presidencial, e que permite ao Banco Central receber depósitos voluntários remunerados das instituições financeiras e das instituições integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro – SPB. Esse novo instrumento vem complementar as operações compromissadas na execução da política monetária, podendo substitui-las como principal instrumento e resgatar, ainda que de forma incompleta, a competência da Autarquia para emitir títulos próprios, indevidamente proibida pela LRF.
No entanto, ao se manter o atual conceito de Dívida Bruta utilizado pelo Banco Central, poderemos experimentar uma significativa redução artificial dessa dívida, no valor potencial de 15,6% do PIB, se considerarmos o estoque de operações compromissadas existente ao final de abril/2021 pois, enquanto essas operações integram o quadro da Dívida Bruta, os novos depósitos voluntários não o integrarão, a exemplo dos depósitos compulsórios sobre depósitos a prazo e da base monetária.
Além de permitir ao Banco Central uma melhor e mais adequada condução da política monetária, o novo instrumento posto à disposição da Autarquia também deixará claro que o conceito mais adequado para mensurar o endividamento bruto do Setor Público não Financeiro é o Conceito do FMI, que correspondia, em abril/2021, a 96,6% do PIB.
Cláudio Jaloretto, possui graduação em Ciências Econômicas pela Faculdade de Ciências Econômicas de Bauru(1974), especialização em Curso de Especialização para Economistas pelo Fundação Getúlio Vargas – RJ(1980), especialização em Técnicas de Análisis y Programación Financieras pela Institute of International Monetary Fund(1996), especialização em Curso Avanzado de Progr. y Políticas Financieras pela Institute of International Monetary Fund(1999) e mestrado-profissionalizante em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília(2005). Servidor aposentado do Banco Central do Banco Central do Brasil. Tem experiência na área de Economia. Atuando principalmente nos seguintes temas: déficit público, Senhoriagem.
“Os conteúdos dos textos publicados, artigos e notas, além dos comentários do público, são de responsabilidade exclusiva de seus autores e signatários, não envolvendo ou refletindo posicionamentos ou opiniões do CORECON-DF.”
Excelente artigo, com um senso analítico e histórico magníco.