Cerca de 320 pessoas lotaram o auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, para o ato de lançamento da Campanha Pela Redução da Desigualdade Social no Brasil. O evento ocorreu na manhã da quinta-feira, 11 de maio, e contou com a presença de 12 parlamentares de cinco partidos diferentes (PT, PSB, Rede, PSOL e PCdoB) e 30 dirigentes de entidades nacionais e algumas locais.
Após o ato, Miragaya afirmou que a luta pela desigualdade “é uma ansiedade do povo brasileiro, que quer uma sociedade melhor e mais justa. Temos a convicção de que levaremos ao povo esta sensibilização, que passaremos um projeto de um novo modelo tributário em que os ricos paguem impostos e que os trabalhadores sejam aliviados”.
Nos próximos 90 dias o Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social receberá propostas para incorporar a um projeto de iniciativa popular para apresentar ao Congresso Nacional. No hotsite da Campanha na internet há um espaço para enviar sugestões, que pode ser acessado em: www.campanha.cofecon.org.br/consulta.
Parlamentares marcam presença
O ato teve início com a leitura do manifesto do Fórum Nacional Pela Redução da Desigualdade Social, realizada pelo presidente do Cofecon, Júlio Miragaya. Em seguida, vários parlamentares subiram ao púlpito para falar sobre o assunto e expressar apoio à Campanha.
O primeiro deles foi Chico Alencar (PSOL). “Vamos nos inserir nesta luta de todas as maneiras possíveis. Esta apresentação do presidente Miragaya deveria ser uma publicação da Câmara”, afirmou Alencar. “Nosso país já nasceu sob o signo da desigualdade e ao longo de sua história vem reproduzindo estas desigualdades, entre elas a desigualdade cultural e a de oportunidades educacionais”. Ao criticar o governo Temer, afirmou que as “reformas profundas” que o país necessita são a tributária e a política.
Em seguida falou o deputado Raimundo Angelim (PT). “Quando engravatados se manifestam, eles entram e se sentam em qualquer lugar. Mas quando o povo se manifesta, é reprimido por policiais montados a cavalo”, criticou o parlamentar. Ao criticar a reforma do Ensino Médio, afirmou que esta busca a formação de mão de obra a serviço do capital. “Nosso mandato está à disposição desta campanha, não do ponto de vista dos holofotes, mas para nos debruçarmos sobre números”, finalizou.
O deputado Edmilson Rodrigues (PSOL) iniciou com uma crítica ao capitalismo e uma homenagem a Paulo Freire e Milton Santos. “Temos que pegar um trem andando e não sabemos com certeza o seu destino, alguns chamam de socialismo, mas sabemos bem o que nós não queremos”, afirmou Rodrigues. “Pensar o futuro não é fácil, estamos mexendo com interesses dos poderosos. Há uma cultura política elitista. Se falarmos em reforma política, eu fico com um pé atrás. Com este Congresso? Será uma contrarreforma. Oitenta e oito por cento do Congresso Nacional representa as atrocidades contra os direitos dos brasileiros”.
O deputado Ivan Valente (PSOL) elogiou o fato de a Campanha Pela Redução da Desigualdade Social no Brasil já vir com uma proposta pronta. “Este documento é a contramão do que está sendo implementado como política pública e política econômica do país”, argumentou o deputado. “Quando falamos de Previdência, de 10% do PIB para a educação, de auditoria da dívida, estamos falando de crescimento econômico, de uma sociedade mais generosa e de igualdade social. É possível construir um país mais justo e mais generoso”.
O deputado Assis Melo (PCdoB) defendeu a luta contra a desigualdade como uma luta em defesa da nação. “Precisamos fazer um grande movimento contra a reforma trabalhista, contra a reforma da Previdência. Mas precisamos fazer um movimento muito maior em defesa do Brasil. É preciso unir o povo para resistir ao desmonte”, conclamou.
Alessandro Molon (Rede) afirmou que o Brasil se divide entre os que olham para a desigualdade como um problema central e os que olham como um problema lateral ou como se não fosse um problema. Em seguida, citou uma frase de Oscar Vilhena: “a exclusão social e econômica, decorrente de níveis extremos e duradouros de desigualdade, destrói a imparcialidade da lei, causando a invisibilidade dos extremamente pobres, a demonização daqueles que desafiam o sistema e a imunidade dos privilegiados, aos olhos dos indivíduos e das instituições”. Em sua fala, combateu a reforma da Previdência e a PEC do Teto de Gastos como fatores que gerarão mais desigualdade. “Uma menina que tenha nascido em janeiro deste ano viverá em um país cada vez mais desigual. O governo está determinado a aumentar a desigualdade. Combatê-la é a principal pauta para quem luta por um país como os constituintes sonharam”.
O deputado federal Glauber Braga (PSOL) afirmou que a luta contra a desigualdade é desigual. “Eles têm muito. Quando a gente vê seis bilionários tendo a mesma riqueza que 103 milhões de pessoas, percebe o tamanho da desigualdade. E quando há uma marcha por direitos, a imprensa nos coloca um carimbo de vagabundos”, afirmou Braga. “Eles têm muita coisa, mas não têm número de pessoas. Somos a grande maioria e só nos resta a mobilização. Hoje tenho mais esperança do que há dois meses. A luta de vocês, a greve geral, isso nos dá força para combater as injustiças”.
A deputada Erika Kokay (PT), coordenadora da mesa, afirmou que “o golpe tem um coração pulsante. Não foi apenas um instrumento para chegar ao Planalto. Está estruturado em três eixos: entrega do Brasil, retirada de direitos e proteção contra a própria corrupção. Mas o que me assusta é como eles estão perdendo a modéstia”. Falou da reforma trabalhista como algo que tira poder dos trabalhadores e dos sindicatos e da reforma da Previdência como algo que aumenta a desigualdade entre campo e cidade. “Queremos publicar este seminário para que o Brasil possa conhecer que toda realidade é grávida do seu contrário”, finalizou.
Apresentações técnicas
Após a apresentação dos cinco eixos da Campanha, realizada pela conselheira Sandra Teixeira, do Conselho Federal de Serviço Social, foi a vez da apresentação técnica de Fernando Gaiger, pesquisador do IPEA. Ele defendeu os gastos sociais do governo como uma forma de minorar as injustiças tributárias. “O Estado tem escala, tem condições de fazer as coisas. Não é verdade que pagamos e não temos retorno. Somos um país de classe média e temos serviços de nível médio”, afirmou Gaiger ao criticar as deduções permitidas no Imposto de Renda, sobretudo na área da saúde. O pesquisador afirmou que impostos como o IPTU e o IPVA podem ser usados para uma tributação progressiva, mas que tais medidas geralmente são barradas no Supremo Tribunal Federal. “Temos que lutar no Judiciário contra esta bobagem da neutralidade tributária”.
Rafael Georges, da Oxfam Brasil, trouxe dados sobre a desigualdade no mundo: oito homens têm a mesma riqueza que a metade mais pobre da população mundial e 800 milhões de pessoas passam fome. “Na América Latina, 1% de todas as superfazendas superam a área dos demais 99%”, apontou. Como causas da desigualdade, Georges falou sobre a crescente diferença salarial, a perda de poder dos trabalhadores e sindicatos, a evasão e a elisão fiscal (informando que a Apple pagou apenas 0,005% de imposto na Europa em 2014) e o capitalismo de compadres. Como formas de combater a desigualdade apontou para a necessidade de acabar com os paraísos fiscais e garantir sistemas tributários que sejam justos com o trabalhador.
Entidades
Em seguida, vários representantes de entidades que compõem o Fórum fizeram uso da palavra. Maria Lúcia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, afirmou que a sociedade deve lutar pelo fim da desigualdade. “O nosso sistema econômico é desenhado para gerar escassez para a grande maioria da população e abundância para apenas 0,5%. A PEC 55, a DRU, a reforma da Previdência, tudo isso vem para justificar os gastos com juros da dívida pública”.
Alberto Broch (Contag) afirmou que a desigualdade é um tema central do país. “Queremos participar e ser protagonistas da Campanha para fazer as transformações que o país precisa”, afirmou. Broch aproveitou também para falar sobre as mortes no campo ocorridas nos estados de Mato Grosso, Maranhão, Pará e Minas Gerais.
Ruth Monteiro, Secretária de Direitos Humanos da Força Sindical, afirmou que “esta não é uma campanha panfletária, mas com propostas. Parece uma plataforma de governo, feita para construir um país que não dependa dos políticos e suas leis”. Júlio César Soares (CSP-Conlutas) apontou que desde o governo FHC há uma reforma do Estado que diminui as pastas sociais e faz com que sua ação não chegue até a ponta. Guilherme Delgado (CNBB) falou sobre três máquinas de produção de iniquidades (os sistemas financeiro, midiático e latifundiário) e que “o golpe fez eclodir os ovos das serpentes”.
Clovis Scherer (DIEESE) falou que na origem da entidade está a luta pela redução da desigualdade. “Nós lutamos pela diminuição das diferenças entre o capital e o trabalhador”. Em seguida apontou para sua condição de economista e argumentou que “para romper o processo de concentração no sistema capitalista é preciso políticas públicas fortes, bem como uma Previdência protegida”.
Ogib Teixeira (Sindilegis), também economista, iniciou dizendo que “o mercado é comandado pelo capital, o trabalhador precisa de proteção e só quem pode proporcionar é o Estado”, e que “a reforma trabalhista vai eliminar 100% dos sindicatos municipais, 80% dos estaduais e um grande número dos nacionais”. Argumentou ainda que a educação é o que mantém o equilíbrio social: “Invejamos os países europeus, mas lá a educação funciona, do primeiro ao terceiro grau”.
Sonia Pereira (Conselho Nacional de Saúde) conclamou os trabalhadores a não desistirem de seus direitos e Veridiano Custódio (Movimento Popular por uma Ceilândia Melhor) falou que várias questões colocadas nas falas anteriores mostram que há uma desigualdade social, racial e de gênero. Eblin Farage (ANDES) disse que a igualdade social só será possível com uma mudança do sistema político e econômico e que “a universidade federal que defendemos é aquela a que os filhos dos trabalhadores e trabalhadoras tenham acesso, que os negros e negras da periferia tenham acesso”. Jean Matos, do pré-assentamento Vida Nova, e Luiz Neto, da Federação dos Trabalhadores Rurais de Goiás, denunciaram inclusive ameaças que recebem por parte de posseiros numa fazenda que, de acordo com Matos, foi comprada e paga pelo INCRA desde 1986 para reforma agrária. “Nada melhor para combater a desigualdade do que distribuir terra para o trabalhador que precisa”, afirmou Neto.
O ato também contou com uma apresentação cultural, realizada pelo coletivo Batalha das Gurias.
(*) Jornalista do Cofecon
manoel.castanho@cofecon.org.br