CÉSAR AUGUSTO MOREIRA BERGO
CORECON-DF Nº 5661.
Originários notadamente do artesanato e do comércio, os empreendimentos de pequeno porte vêm, ao logo do tempo, participando ativamente da história econômica nacional, sobretudo pela sua grande relevância para os rumos tomados pelo mercado de trabalho no País. Nos dias de hoje, estão presentes em vários setores da economia e possuem participação igualmente importante nos cenários político e social. No Brasil, este tipo de negócio abrange 99% das empresas estabelecidas, responsáveis por 55% das ocupações formais e por quase 30% de tudo que é produzido no país (SEBRAE, 2020), e possuem grande importância para sustentação da economia brasileira.
Dito isso, podemos notar que as micro e pequenas empresas são um dos principais pilares de sustentação da nossa economia, quer pela sua enorme capacidade geradora de empregos, quer pelo infindável número de estabelecimentos desconcentrados geograficamente. Outro fator de destaque é o importante papel desses negócios como indutores do desenvolvimento e do empreendedorismo.
É sabido que o objetivo central de toda e qualquer empresa é a busca pelo crescimento, pois faz parte da gênese de qualquer negócio. De fato, durante a sua trajetória de crescimento, a empresa passa por diversos ciclos de vida organizacional, que tem reflexos diretos em suas estratégias, processos e estruturas. O ciclo econômico que é medido em dias, contados da compra de insumos até a venda final do produto, sem considerar valores recebidos, reflete o prazo médio de estocagem. Já no ciclo operacional é conhecido o tempo total gasto desde a
compra dos insumos até o recebimento referente às vendas realizadas. Finalmente, temos o ciclo financeiro, conhecido como ciclo de caixa, que mostra o tempo entre o pagamento a fornecedores e o recebimento das vendas.
Conhecer e buscar a permanente redução de tais ciclos é sinônimo de eficiência e é de grande importância na maximização do retorno sobre os investimentos, possibilitando planejar o crescimento do negócio ao longo dos anos. Sem este esforço pode acontecer que o giro financeiro não seja suficiente para o pagamento dos fornecedores e as atividades passam a ser financiadas pelo próprio capital de giro. Chegará o momento em que o empresário terá que ir buscar capital de terceiros para sanar os períodos de fluxo de caixa negativo, com irreversíveis prejuízos aos resultados financeiros do empreendimento.
Isto posto, é necessário que se faça presente uma mentalidade empresarial embasada na busca de conhecimentos na área de gestão estratégica, que permita a essas empresas enxergarem uma oportunidade única de fazer com que esse conhecimento seja aproveitado para um crescimento sustentável de seus negócios.
Ocorre, entretanto, que qualquer acontecimento extraordinário, conhecido como risco sistêmico ou de mercado, pode ensejar desequilíbrios que as micro e pequenas empresas dificilmente conseguem superar. As necessidades geradas pelo distanciamento social e outras medidas visando combater a disseminação do COVID 19, acabaram fragilizando todas as cadeias de atividades econômicas, com reflexos diretos na organização social urbana, que atingiram os ciclos organizacionais das micro e pequenas empresas.
Ao longo de todo esse processo, alguns setores conseguiram implementar novos arranjos de negócios que permitiram não só mantê-los, mas, também, desenvolvê-los. Outros segmentos foram bastante prejudicados. Além disso, os grandes grupos empresariais, por possuírem maior fôlego financeiro e de estrutura, conseguiram administrar as dificuldades e, de alguma forma, tiveram êxito na implementação das necessárias adaptações aos protocolos sanitários exigidos pelo momento de absoluta excepcionalidade. Neste processo não foi previsto um espaço para o tratamento das micro e pequenas empresas, que sofreram um processo de espoliação maior que o normal, pois excluídas de crédito e da adequada comercialização de seus produtos, deram origem a um alto grau de estagnação verificado em seus negócios.
Com efeito, sabemos que o custo da marginalidade urbana é certamente maior do que o custo de um programa de auxílio a esses empreendedores, sobretudo neste momento de grande dificuldade gerada pela situação de pandemia que vivenciamos, o que tem comprometido a
qualidade de vida de todos os segmentos urbanos. Este quadro é tão verdadeiro que o número de 14 milhões de desempregados não deixam margem para dúvidas.
Além das medidas emergenciais lançadas em meio à pandemia para dar fôlego aos pequenos negócios, o Governo procurou dar passos importantes visando colocar em prática medidas estruturantes de médio e longo prazos, como forma de trazer mais competitividade e produtividade ao setor. Dentre elas, destacamos a melhora no acesso ao crédito, necessário para aumento da produtividade, mediante a criação do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) – Lei 13999/2020 – que teve um papel importante em garantir capital de giro para empreendedores, além de ter solucionado uma dificuldade histórica para que o crédito chegasse na ponta destes segmentos ao fornecer garantias do Tesouro Nacional para os empréstimos. Os números expressam o sucesso do Pronampe, que se encerrou em dezembro de 2020, com 470 mil operações contratadas, envolvendo R$ 37,5 bilhões em liberações.
Desta forma, podemos verificar que o Estado continua a ter um papel fundamental, pois a ele cabe liderar o encaminhamento das questões relacionadas à melhoria deste ambiente caótico gerado pela continuidade e agravamento da situação de pandemia. O Congresso Nacional, inclusive, mostrando-se sensível a todos esses problemas enfrentados pelas micro e pequenas empresas, vem buscando aprovar projeto que torna permanente o Pronampe. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado para a apreciação do Senado Federal. A
diferença agora está no aumento da taxa de juros para 6% mais a Selic.
Vale realçar, que essa decisão legislativa, de alguma forma, atende a Agenda 2030 1 que, em sua meta 8.3, aponta para a necessidade de “promover políticas orientadas para o desenvolvimento, que apoiem as atividades produtivas, geração de emprego decente, empreendedorismo, criatividade e inovação, e incentivar a formalização e o crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do acesso a serviços financeiros”.
Não bastaria apenas gerar empregos e investimentos com efeitos multiplicadores no mercado interno. É importante construir uma estrutura educacional que ofereça a real oportunidade de os empreendedores realizarem uma gestão científica, tecnológica e de inovação de seus
negócios, buscando, também, a eficiência na alocação de recursos.
Para compreender por que parece difícil obter crédito, é preciso compreender o que está em jogo. Para ganhar dinheiro com o empréstimo, o agente financeiro precisa de dinheiro barato, que provém, em geral, de investidores e depositantes. A seguir, o agente financeiro concede empréstimos que pagam juros mais altos do que o total de juros pagos aos investidores e depositantes, mais custos operacionais. Caso haja inadimplência dos devedores, quem perde tudo é quem concedeu o crédito. É o risco de perda que exige um processo detalhado de
concessão de empréstimos. Ao colher os dados para o cadastro a instituição financeira busca determinar se o cliente tem condições de pagar o empréstimo. Os devedores confiáveis continuam a receber empréstimos e os maus pagadores perdem a confiança dos agentes financeiros.
Os Bancos públicos, que já mantem em seu plano de negócios o desempenho como agente do Governo para execução de políticas públicas, terão papel fundamental nessa assistência creditícia às micro e pequenas empresas. Sabemos que os agentes financeiros privados não têm correspondido adequadamente em termos de concessão de crédito. Isso pode ser explicado, em parte, pela pouca adaptação dessas instituições ao atual cenário de risco gerado pela grave crise sanitária, bem como pelo desconhecimento das respectivas implicações diretas nos diversos ramos de negócios.
Não resta dúvida que, em perspectiva estratégica, o momento representa uma excelente janela de oportunidades, uma vez que fica patente que o agente financeiro não poderá aguardar passivamente pelo cliente; ele precisa adiantar-se aos problemas, antes que a concorrência o faça. Neste novo cenário, ganham relevo os contatos estreitos com clientes e a agilização dos processos de negócios, alicerçados por ferramentas de business intelligence. Os grandes desafios para a indústria de intermediação financeira é o de conhecer o cliente, entender seus interesses e prever suas necessidades futuras com a finalidade de fidelização não só do tomador de crédito como, também, de toda sua cadeia de stakeholders.
1 Agenda 2030 é um plano de ação global que reúne 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e 169 metas, criados para erradicar a pobreza e promover vida digna a todos. Esse plano foi firmado por 193 países membros da ONU, com o compromisso de seguir medidas recomendadas no documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.
César Augusto Moreira Bergo, é Presidente do CORECON-DF. Economista, sociólogo e mestre em finanças e especialista em administração estratégica e governança corporativa pela FIA/USP. Professor de pós-graduação universitária e de diversos cursos no mercado financeiro. Atua há mais de 40 anos no mercado financeiro tendo exercido cargos de executivo em bancos, corretoras e distribuidoras de valores, além de possuir diversas certificações para atuar no mercado financeiro.
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