CLÁUDIO JALORETTO
Corecon-DF nº 7364.
Nos últimos meses vem sendo discutido pelo Governo, Congresso e Judiciário, o problema dos precatórios. Essa é uma questão recorrente na administração pública; de lembrar que a Constituição Federal de 1988 permitiu a emissão de dívida mobiliária para o pagamento dos precatórios existentes na data de sua promulgação. O resultado foi uma CPI. Em 2009, por seu turno, Emenda Constitucional permitiu aos entes subnacionais em mora, o parcelamento da dívida de precatórios existentes em dezembro daquele ano, em até quinze anos. Agora se discute, novamente, o parcelamento da dívida do Governo Federal.
Mas o que vem a ser um precatório? Arrisco uma definição: precatório é uma dívida do setor público decorrente de uma decisão judicial transitada em julgado.
Qual a origem de um precatório? Os precatórios decorrem de ações judiciais relacionadas, em sua maioria, a causas trabalhistas, civis e tributárias. As causas trabalhistas tem origem em ações movidas por servidores por conta do descumprimento ou não cumprimento de acordos trabalhistas, do não pagamento de valores relativos a indenizações, aposentadorias, férias, etc. As causas civis decorrem do uso do poder público para promover atos que prejudiquem indivíduos ou empresas ou do inadimplemento contratual pelo setor público, tal como atraso ou não pagamento de uma obra contratada e executada. Já as causas tributárias tem origem, em geral, na interpretação da legislação tributária por parte do setor público, em prejuízo dos agentes econômicos privados ou mesmo, de outras instâncias de governo. Em sua maioria, trata-se de ações em que o setor público busca beneficiar-se do seu poder econômico ou político para a realização de despesas sem a devida contrapartida financeira.
Exemplifico com uma história paroquial: digamos que um prefeito decida construir uma obra pública em uma área particular; pode ser a construção de um hospital, de uma escola, de uma estrada, de uma ponte, ou até mesmo de uma praça com fonte luminosa. É feita a desapropriação, geralmente a um valor bem abaixo do mercado e a obra é executada. Dessa decisão resulta uma ação judicial que vai se arrastar por alguns anos e será, provavelmente, favorável ao desapropriado que terá a receber a diferença acrescida dos juros e das custas judiciais e se transforma em um precatório. A essa altura, o político de plantão será outro que, por motivos óbvios, não se sente responsável por essa dívida, e o estoque de precatórios tende a se avolumar.
Guardadas as proporções, o mesmo raciocínio se aplica também aos Estados, Distrito Federal e União. E é um episódio que se repete a cada dez ou vinte anos, sem solução, resultando em pressões para que ocorra o protelamento de uma obrigação do setor público líquida e certa. Esse círculo vicioso só se romperá quando os políticos passarem a ter uma visão que se estenda para além de seu período de mandato; talvez se a justiça fosse mais célere esse círculo pudesse ser interrompido mas, será que a lentidão da justiça não decorre, justamente, do acúmulo de processos em que o litigante é o setor público?
O volume significativo de precatórios ou de ações judiciais em que o setor público é parte indica que o problema não tem origem nos precatórios ou na decisão judicial e sim, na escolha original do administrador público ou agente político em postergar o pagamento de uma obrigação que seria devida ao tempo da realização da despesa, optando por transferir para as gerações futuras o ônus de sua escolha sem, contudo, efetuar o registro adequado.
Do ponto de vista contábil e econômico, cabem dois comentários: o primeiro é que o pagamento de um precatório corresponde à amortização de uma dívida e não a realização de uma despesa. A despesa já ocorreu quando se originou a ação judicial e se completou na expedição do precatório e não foi contabilizada ou foi contabilizada parcialmente na ocasião.
O segundo comentário é que, ao transitar em julgado a decisão judicial, o precatório não é mais um passivo contingente; o risco já se configurou e, portanto, o precatório passou a ser uma dívida, e como tal, deve integrar a dívida pública, seja no conceito bruto, seja no conceito líquido.
A rigor, a contabilização de um precatório deveria ser feita através de dois lançamentos: um registrando na rubrica respectiva à despesa que deu origem a ação penal e outra registrando a dívida a ser paga, ou seja, o registro da despesa e seu financiamento por uma dívida de precatório. Por exemplo, caso a origem do precatório tenha sido a construção de uma escola, o registro deveria ser de uma despesa de investimento em educação, ao passo que se a origem tenha sido a realização de uma despesa de pagamento de insumos de um hospital, o registro deveria ser de uma despesa de custeio da saúde. Assim os lançamentos sensibilizariam adequadamente tanto o teto de gastos quanto a regra de ouro, além do resultado primário. De lembrar que no caso de um precatório decorrente de uma ação tributária, onde o governo arrecadou mais do que deveria e, agora, estaria devolvendo esses recursos, não faz sentido a inclusão desse pagamento dentro do limite de gastos pois a origem não foi a realização de uma despesa de custeio ou de investimento. Grosso modo, seria equivalente à restituição do imposto de renda.
Evidentemente, quando da mudança de critério de contabilização no orçamento, o saldo de precatórios existente até o ano anterior à mudança, deveria ser contabilizado na dívida sem sensibilizar o resultado primário corrente pois se trata de constituição de dívida anterior ao exercício, tal como tem sido feito nos casos de reconhecimento de dívidas pré-existentes e não contabilizadas.
Soluções como a que vem sendo aventada de parcelar o pagamento das dívidas de precatório do Governo Federal não resolvem o problema, apenas contribuem para perpetuar o comportamento dos agentes políticos de se utilizarem de seus poderes econômico e de polícia para se beneficiarem em detrimento dos agentes privados, usufruindo de um mandato que não lhes foi outorgado pela Lei Maior.
Cláudio Jaloretto, possui graduação em Ciências Econômicas pela Faculdade de Ciências Econômicas de Bauru(1974), especialização em Curso de Especialização para Economistas pelo Fundação Getúlio Vargas – RJ(1980), especialização em Técnicas de Análisis y Programación Financieras pela Institute of International Monetary Fund(1996), especialização em Curso Avanzado de Progr. y Políticas Financieras pela Institute of International Monetary Fund(1999) e mestrado-profissionalizante em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília(2005). Servidor aposentado do Banco Central do Banco Central do Brasil. Tem experiência na área de Economia. Atuando principalmente nos seguintes temas: déficit público, Senhoriagem.
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